Estakanovistas

VOCÊS são estakanovistas, disse à moça e ao rapaz bibliotecários que vieram organizar a barafunda aqui de casa. Falei com maldade, não expliquei, era para espicaçar a curiosidade dos dois. É que como leitor tenho um certo preconceito contra bibliotecários, o de achar que não passam do título dos livros, o suficiente para catalogar e devolver à estante (burrice minha de achar que bibliotecário tem tempo e pachorra para bisbilhotar livros). Na hora ficaram quietos. No intervalo do cafezinho vieram compenetrados falar comigo: “não sei se agradecemos o elogio ou lamentamos o xingamento”. Claro que foram à Wikipedia – como também fui para puxar a foto de Alexei Stakhanov, o herói da União Soviética de Stálin, que superava ao quadruplo as cotas individuais de produção de carvão.

O mérito não foi procurar nos livros, milhares de trabalhos escolares são obra da inteligência quase artificial da Wikipedia. O bacana está no especular entre elogio ou xingamento, sacada dos dois. É que de um lado Stakhanov foi celebrado pela produção e de outro criticado por exceder os limites desta. Para os comunistas igualitaristas da época, ao exceder suas cotas Stakhanov estabelecia um padrão de desigualdade, quebrando o princípio do marxismo clássico. De minha parte vejo meus bibliotecários como estakanovistas do padrão estalinista: combinei pagamento em parcelas no limite estimado de quatro meses de trabalho. Pois não há de ver que em mês e meio os dois concluíram o serviço? Bem que os trotskystas diziam que o estalinismo era um capitalismo ao avesso. 

Sobre Solda

Luiz Antonio Solda, Itararé (SP), 1952. Cartunista, poeta, publicitário reformado, fundador da Academia Paranaense de Letraset, nefelibata, taquifágico, soníloquo e taxidermista nas horas de folga. Há mais de 50 anos tenta viver em Curitiba. É autor do pleonasmo "Se não for divertido não tem graça". Contato: luizsolda@uol.com.br
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