Falsas denúncias de assédio

Não se faz justiça com injustiça, não há reparação histórica que se sustente por meio de revanche

Kevin Spacey foi absolvido por um júri de todas as acusações de assédio e de estupro que enfrentava desde que as primeiras histórias vieram a público. Em grande parte das democracias, o direito à defesa é assegurado aos cidadãos, ninguém pode ser condenado sem que tenha pleno acesso à Justiça, a um processo justo, ao cumprimento da pena de forma digna. Mas desde que as redes sociais se estabeleceram como um tribunal em praça pública há um princípio que vem sendo desrespeitado: o da presunção da inocência. Agimos como bárbaros tomando o poder de julgar, condenar e cancelar qualquer pessoa sem que ela tenha direito a uma defesa imparcial.

O cancelamento sumário do astro de “Beleza Americana” aconteceu na esteira de muitas denúncias quando o MeToo se fortaleceu ao dar voz a vítimas de agressão sexual. Um movimento legítimo, necessário, que trouxe para o debate séculos de abusos aos quais as mulheres, principalmente, sempre foram submetidas.

O MeToo ajudou na criação e no fortalecimento de leis, mostrou a milhões de vítimas como identificar e como denunciar abusos. Não há dúvida de que foi e ainda é um marco contemporâneo. Mas agora nos deparamos com um dos problemas causados pelo discurso vazio de que “a vítima sempre tem razão”. Falsas acusações de assédio sexual são um tema delicado e controverso que merece uma análise cuidadosa e equilibrada porque são movidas por muitas razões: vingança pessoal, interesse financeiro, ganhos políticos ou simplesmente pelo desejo de prejudicar a reputação de outra pessoa.

Sabe quem perde com isso? Todos nós. A falsa acusação prejudica aquela pessoa injustamente acusada, mas vai além: descredibiliza toda uma rede de combate aos crimes de assédio, prejudica as denúncias verdadeiras, enfraquece as vítimas e cria desconfiança no público. Serve de combustível para alimentar a misoginia, para empoderar uma parte da sociedade que não aceita a igualdade de gênero, que defende que feminismo quer destruir os homens, que assédio é mimimi.

Denúncias falsas precisam ser desmascaradas porque servem de apoio, de subsídio, de treinamento para os profissionais que lidam com esse tipo de caso, como advogados, policiais e membros do judiciário. Eles devem ser treinados adequadamente para lidar com essas situações com sensibilidade e imparcialidade, protegendo os direitos de todos os envolvidos.

É importante não esquecer que a grande maioria das denúncias de assédio sexual é real e nos mostra uma realidade sombria em relação à violência e ao desrespeito que muitas pessoas enfrentam em suas vidas cotidianas. Vítimas legítimas merecem apoio, justiça e um ambiente seguro e encorajador para que suas vozes sejam ouvidas sem medo de retaliação ou descrédito.

Mas, se os casos forjados são poucos e as reais acusações são incontáveis, por que temos que falar sobre isso? Uma questão básica é que não se faz justiça com injustiça, não há reparação histórica que se sustente por meio de revanche. Ter dúvida sobre a inocência ou sobre a culpa de alguém é normal, o que não é normal é transformar essas dúvidas em verdades, como temos visto.

Sobre Solda

Luiz Antonio Solda, Itararé (SP), 1952. Cartunista, poeta, publicitário reformado, fundador da Academia Paranaense de Letraset, nefelibata, taquifágico, soníloquo e taxidermista nas horas de folga. Há mais de 50 anos tenta viver em Curitiba. É autor do pleonasmo "Se não for divertido não tem graça". Contato: luizsolda@uol.com.br
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