A ideia era recuperar o “espírito” de uma época iniciando uma época nova, que assustava, pelo ineditismo, até seus fundadores. A audácia do ato inaugural da nova era – um rei deposto e depois decapitado – precisava de um precedente. O presente precisava de um passado para autenticá-lo, ou perdoá-lo. No seu livro Ulysses and Us, o professor de literatura irlandesa Declan Kiberd, que desenterrou a citação de Marx acima, usa a imagem de César botando a máscara de Alexandre para ser um César certificado.
Shakespeare, num solilóquio de Hamlet, chama a morte de terra inexplorada da qual nenhum visitante jamais voltou. Mas para efeitos de enredo a peça necessita de um morto que volta, e ele aparece como o pai de Hamlet, o “espírito” necessário, na forma de fantasma. É ele que guiará a trama até o desenlace, em que será vingado pelo filho. Que também morrerá, dizendo para o amigo Horácio, que quer ajudá-lo, “Let it be, Horatio”, muitos anos antes dos Beatles. E depois, com o último suspiro: “O resto é silêncio”.
O livro do professor Kiberd, como diz o título, é sobre o Ulysses, de James Joyce, e seu impacto na literatura e na vida de quem o leu, ou tentou ler. Um consolo para quem não conseguiu chegar ao fim, ou ao “sim” final, de Ulysses, é saber que o livro seguinte de Joyce, Finnegans Wake, enlouqueceu muita gente que quis escalá-lo sem a assistência de guias sherpas. O professor escreveu que Shakespeare e Joyce são exemplos de autores que mudaram radicalmente a linguagem literária e socorreram-se no passado para sustentar sua ousadia, Shakespeare recorrendo a vidas históricas convenientemente distantes no tempo, Joyce ao manancial de tipos e mitos com o epicentro em Dublin. E os dois fantasmas-dependentes.