Não matem o mensageiro

Decisão do STF que permite punição de jornais por falas de entrevistados pode ameaçar a liberdade de imprensa

Em “Vidas Paralelas”, o historiador grego Plutarco relata que o rei armênio Tigranes, ao receber a mensagem de que seu inimigo estava se aproximando, ficou tão irritado que mandou cortar a cabeça do mensageiro. Daí a expressão “Matem o mensageiro!”, que descreve o ato de culpar o portador de notícias indesejadas.

Atualmente, a expressão remete a ataques à imprensa quando ela divulga informações desagradáveis sobre pessoas e temas com os quais o leitor tem afinidade. Esse modo passional de lidar com o jornalismo parece ser seguido pelo STF.

Na última terça (7), a corte decidiu que jornais podem ser responsabilizados por injúria, difamação ou calúnia proferida por um entrevistado.

O processo tem origem em caso que envolve o ex-deputado federal Ricardo Zarattini, já falecido. Em entrevista para o Diário de Pernambuco em 1995, o delegado Wandenkolk Wanderley disse que Zarattini era o mentor do atentado a bomba no aeroporto de Guararapes (Recife), em 1966. Inocentado em 2013, o deputado entrou com ação contra o jornal.

O relator, ministro Marco Aurélio Mello (hoje aposentado), e a ministra Rosa Weber foram vencidos na decisão. Segundo o voto de Mello proferido em 2020, jornais não podem ser culpados por falas do entrevistado, desde que não emitam opinião. Disse ainda que, por se tratar de caso de repercussão geral, o entendimento pela responsabilização “sugere o agasalho de censura prévia a veículos de comunicação”.

A decisão do STF pode gerar o “efeito inibidor” (desencorajamento do exercício legítimo de direitos pela ameaça de sanção legal), que afeta o papel de vigia do poder público conferido à imprensa, um dos pilares das democracias modernas.

Não esqueçamos que, em maio de 1992, a revista Veja publicou uma entrevista na qual Pedro Collor de Mello denunciou um esquema de corrupção envolvendo o tesoureiro da campanha de seu irmão. Sete meses depois, Fernando Collor de Mello era afastado da Presidência por um processo de impeachment.

Sobre Solda

Luiz Antonio Solda, Itararé (SP), 1952. Cartunista, poeta, publicitário reformado, fundador da Academia Paranaense de Letraset, nefelibata, taquifágico, soníloquo e taxidermista nas horas de folga. Há mais de 50 anos tenta viver em Curitiba. É autor do pleonasmo "Se não for divertido não tem graça". Contato: luizsolda@uol.com.br
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