Fidel, adeus às armas

Na Eternidade, Ernest Hemingway havia acabado de revisar algumas páginas de seu novo livro “O Velho e o Bar”, quando Gary Cooper entrou na sala com a surpreendente notícia: “Nosso querido amigo Fidel Castro renunciou!”.

O escritor quedou-se silencioso por um breve tempo, colocou um pedaço de minério de cobre sobre as laudas escritas – como era de hábito assim que terminava uma tarefa – e respondeu a Gary Cooper:
— Algo me intriga. O companheiro Fidel não iria renunciar com 49 anos de poder absoluto em Cuba. Conheço aquele velho safado, ele esperaria para completar 50 anos redondos. Simbolicamente, meio século de resistência aos Estados Unidos teria um significado histórico muito maior.

— Isso quer dizer que a morte não pode esperar.
— Exatamente, Gary! Significa que devemos nos preparar para receber o Comandante na Eternidade muito mais em breve do que esperávamos.
— Então vamos discutir esse assunto à mesa que o almoço está sendo servido.
— Quem veio para almoçar?
Ava Gardner, Spencer Tracy com Katherine Hepburn, o toureiro Dominguín, Rock Marciano, Ángel Martinez, Lauren Bacall e Humphrey Bogart, que já bebeu meia garrafa de uísque.
— Aquele chato do Jean-Paul Sartre também veio?

— Ele com a Simone. Os dois estão na biblioteca tomando mojitos.

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Mesmo depois de chamado para a Eternidade, Ernest Hemingway continua um anfitrião refinado. Como na Finca Vigia, quando Hem recebe convidados especiais escolhe pessoalmente louças, talheres e, especialmente, os copos. Continua esmerado na hora de sentar-se à mesa, embora com o seu habitual desleixo de se vestir; e preside as conversas com graça e senso de humor. De costume, ao término de um almoço e uma garrafa de vinho, ainda canta em castelhano canções como a do Quinto Regimento, mas continua o desafinado de sempre.
Desta feita Ernest não cantou, nem bebeu vinho. Dividiu outra garrafa de uísque com Bogart para degustar a sopa frapé de tartaruga servida pelo cozinheiro chinês chamado Ramón.
— Afinal, Fidel renunciou ou se aposentou? – perguntou
Jean-Paul Sartre.
— Não nos venha com essas questões filosóficas, Sartre! – cortou com rudeza Hemingway, para em seguida soltar o palavrão que ainda gosta de usar quando irritado.
— Me cago em Dios em la puta madre, Bogart! Pouco convivi com Fidel Castro, só o conheci depois da revolução, num torneio de pesca. Mesmo assim, sempre fomos amigos. Apesar das intrigas. Em 1956, tentaram atribuir a mim a notícia da morte de Fidel em Sierra Maestra. Isso é mentira! – eu disse aos jornalistas da UPI. Dizem isto para desprestigiar o movimento. Fidel não pode morrer!
— Mas infelizmente está pra morrer e precisamos pensar numa festa para receber o Comandante aqui na Eternidade. – disse Katherine Hepburn, na tentativa de levantar o astral.
— Tenho no freezer mariscos, lagostas, carne de tartaruga e um enorme peixe agulha que pesquei há oito meses com o mestre
Santiago.
– Quanto às bebidas, deixa comigo! – acrescentou Angel Martinez, o lendário dono da Bodeguita del Medio.
— Proponho um brinde ao Comandante Fidel Castro! – levantou a voz e o copo Ava Gardner.
— Vamos brindar na piscina! – conclamou Hemingway, completando com um aceno que fez os sinos dobrarem – Nessa mesma piscina onde Ava Gardner acabou de tomar um banho nua!

Dante Mendonça [20/02/2008]O Estado do Paraná.

Sobre Solda

Luiz Antonio Solda, Itararé (SP), 1952. Cartunista, poeta, publicitário reformado, fundador da Academia Paranaense de Letraset, nefelibata, taquifágico, soníloquo e taxidermista nas horas de folga. Há mais de 50 anos tenta viver em Curitiba. É autor do pleonasmo "Se não for divertido não tem graça". Contato: luizsolda@uol.com.br
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