Fake feminista

Acho os homens ridículos? Óbvio. Mas como adoro

Observo parte da minha estante com dezenas de livros feministas. Tem Djamila Ribeirobell hooksAngela DavisJudith Butler e por aí vai.

Os livros estão cheios de anotações, grifos e corações, mas o que diriam tais autoras se soubessem como eu sou feliz quando minha água com gás demora e um rapaz qualquer, sentado à minha frente, toma para si essa angústia sedenta e não continua sua pira-verbal-egoica até que eu seja devidamente hidratada? Quando um homem se sacode, engrossa a voz, estapeia o ar, reclama, inunda de testosterona sua indignação de machinho provedor até que minha água ou meu penne ao limone chegue, eu fico bem quietinha. Eu deixo. Eu não preciso de ninguém lutando pela minha saciedade, mas, francamente, como é bonita a cena. Lutem, machinhos, é tão bonito.

Outro dia eu vinha com sacolas infinitas e uma criança no colo. Meu vizinho ficou um tempão me esperando, segurando a porta da entrada do prédio –e eu pude ver em seus olhos o medo. Ele queria me pedir desculpas por ter ousado imaginar que eu precisava de ajuda. Ele estava preparado para levar uma sacolada na fuça: “Seu filho do patriarcado, cis branco opressor nojento!” Ele mora com duas filhas adolescentes que devem estudar no “Santa Something” e elas devem, mimadíssimas, encher a orelha desse pai generoso de tolices. Nós precisamos do feminismo que proteja mulheres pretas e periféricas de assédio em ônibus e não de mais uma garota branca de Higienópolis que chegue da escola reclamando que o pai é um sexista ultrapassado porque fica segurando porta para mulher passar. Por favor, segurem todas as portas para mim! Eu vivo cansada. Seria legal se esse senhor tivesse se oferecido para carregar uma sacolinha também. Ou duas.

Recentemente tive pneumonia e fui a um hospital. Se normalmente eu já sou uma feminista de merda, doente eu sou uma mocinha do século 19. O que explica, na minha fantasia febril, ter visto o médico chegando em um cavalo branco. Ele disse, na mais clássica frase do patronizing, que ia “cuidar de mim”. Eu estava rouca e fanhosa demais para responder “por favor, para sempre” e, infelizmente, a enfermidade não era tão grave para que eu perdesse os sentidos no colo de mais um tiozinho da zona oeste que se acha Deus só porque estudou medicina.

Acho os homens ridículos? Óbvio. Mas como adoro. Eu adoro. Passei vários dias planejando ir recuperada e linda exigir que esse senhor me deflorasse (às vezes eu sou feminista).

Sobre Solda

Luiz Antonio Solda, Itararé (SP), 1952. Cartunista, poeta, publicitário reformado, fundador da Academia Paranaense de Letraset, nefelibata, taquifágico, soníloquo e taxidermista nas horas de folga. Há mais de 50 anos tenta viver em Curitiba. É autor do pleonasmo "Se não for divertido não tem graça". Contato: luizsolda@uol.com.br
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