Fumaça em versos

Foto sem crédito

A fumaça nunca foi tão poética. E a militância raras vezes teve tanto groove. Na cadência hipnótica das linhas de baixo flutuantes e da marcação seca da guitarra, os versos do jamaicano e ex-jornalista Linton Kwesi Johnson inauguraram, ao mesmo tempo, um jeito original de recitar poesia e uma nova modalidade do reggae. Poucos artistas se saíram tão bem na mixagem de literatura com música. Sua primeira coletânea de poemas, “Voices of the Living and Dead” (de 1974), chamou atenção para sua veia literária tanto quanto seu disco de estréia, “Dread Beat an’ Blood” (1978), atraiu ouvidos atentos para  seu poder de fogo musical. Morador de Londres, o sujeito adicionou ainda o ativismo em sua receita ao abraçar a causa dos Panteras Negras durante os anos 70.

Os 25 anos de sua carreira fonográfica mereceu comemoração com a gravação do disco “Live In Paris With the Dennis Bowell Dub Band” e a ocasião colocou o jornalista Ramiro Zwetsch, do site Radiola Urbana, na linha com essa lenda. O homem trocou a seguinte idéia com a gente:

Quando começou a desenvolver seu trabalho, imaginava que chegaria aos 25 anos de carreira reconhecido como um pioneiro?

Nem por um momento eu pensei que teria esse reconhecimento. Quando comecei minha carreira, tinha acabado de descobrir a literatura negra e tudo que eu queria era articular o sentimento da juventude negra. Só queria achar a minha própria voz como poeta sem imitar a tradição da poesia inglesa

Como você definiria a poesia dub?

A poesia oral é a raiz do reggae. O dub é uma forma de descrever a arte por intermédio do DJ. A poesia dub une esses dois elementos e é uma nova linguagem com influências de nomes pioneiros como U-Roy, entre outros.

Sua experiência como jornalista te influenciou no seu trabalho musical?

Não porque, como jornalista, eu apenas reportava os fatos. Quando faço poesia, faço arte. O meu ativismo, sim, influenciou a minha música.

Quando e como você teve a idéia de recitar versos sobre as bases de reggae?

A idéia apareceu a partir do surgimento do ragga music e das apresentações de DJs jamaicanos e suas intervenções vocais durante suas discotecagens. Essa foi simplesmente uma forma de trazer a poesia para uma audiência mais ampla pois existem muito mais pessoas que ouvem música do que pessoas que lêem livros.

Qual foi maior a contribuição da vivência com os Panteras Negras para seu trabalho musical?

Um novo mundo se abriu para mim: aprendi mais sobre a diáspora negra e aprofundei meus conhecimentos sobre a causa.

Você reconhece em seu trabalho elementos que influenciaram o surgimento da cultura hip hop?

Acho que essa é uma responsabilidade muito grande para mim. Penso que James Brown, Gill Scott-Heron e Last Poets merecem mais do que eu essa fama.

Você gosta de rap?

Gosto de alguns mas não escuto nenhum dos recentes. Por favor, leve em consideração que eu sou um homem de meia-idade (risos). Gosto dos clássicos como KRS-One e Grand Master Flash. Eu os escutava muito no começo. Mas não perco muito meu tempo com os atuais.

O DJ, o MC, o remix e vários outros elementos da música contemporânea surgiram na Jamaica. Na sua opinião, por quê a ilha é tão influente para a música atual?

A Jamaica tem um povo único porque conta com uma profusão de misturas e sua música absorve influências de vários países da África (como Gana, Congo, Nigéria), dos países vizinhos, (principalmente Cuba) e da Europa… E ainda, claro, a influência norte-americana – inicialmente a Jamaica foi influenciada pelo o R’n’B e, depois, aconteceu o inverso, com o estilo particular jamaicano influenciando a música norte-americana.

Quais são seus artistas jamaicanos preferidos?

A música jamaicana é única porque tem uma batida muito libidinosa e sensual, principalmente por causa das linhas de baixo. Gosto muito dos Skatalites e do trabalho do trombonista Don Drummond à frente da banda. Ele é um dos grandes trombonistas da história da música. Gosto também de Heptones, Toots And Maytals, Ken Both, Bob Marley, Burning Spear e vários outros.

Quais são suas lembranças sobre sua passagem pelo Brasil?

Estive no Brasil na virada dos anos 80 para os 90 e guardo ótimas lembranças, além de uma única má recordação — o fato dos meus músicos não terem se comportado bem, fazendo arruaça no hotel e em todos lugares por onde passavam. Mas me senti muito apreciado e querido no Brasil. Inclusive, gravei uma participação em um álbum do Paralamas do Sucesso.

Você mencionou Gill Scott Heron. Ele te influenciou?

Não diretamente, mas ele representa o que há de melhor na nossa geração pela sua consciência política e social.

Como ativista, qual sua opinião sobre Fela Kuti?

Fela Kuti era um ótimo músico com um estilo único e também consciente das necessidades políticas e sociais da Nigéria. Apesar de ser um excelente músico, sua importância é muito maior devido à sua relevância social.

Ramiro Zwetsch

Sobre Solda

Luiz Antonio Solda, Itararé (SP), 1952. Cartunista, poeta, publicitário reformado, fundador da Academia Paranaense de Letraset, nefelibata, taquifágico, soníloquo e taxidermista nas horas de folga. Há mais de 50 anos tenta viver em Curitiba. É autor do pleonasmo "Se não for divertido não tem graça". Contato: luizsolda@uol.com.br
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