Os idiotas estão no poder

Será que basta ser imbecil e falar coisas estúpidas para conquistar milhões de seguidores fanáticos?

“Você leu a matéria do The New York Times: ‘Kim Kardashian diz que comeria cocô todos os dias para parecer mais jovem’? Qualquer merda que ela fala tem impacto na vida de mulheres do mundo inteiro, ela tem milhões de seguidoras fanáticas. É uma ignorância, irresponsabilidade e estupidez muito perigosas. Lembra quando o idiota do Trump sugeriu que injetar desinfetante poderia curar o coronavírus e o número de intoxicação com produtos de limpeza aumentou drasticamente em Nova York? Você tem que escrever sobre isso, Mirian”.

Minha primeira reação, quando recebi a mensagem de uma amiga, foi: “Posso não querer comentar? Estou muito mais preocupada com o aumento de casos de Covid, com a guerra e com as ameaças golpistas do que com a Kim Kardashian”. Mas não resisti e li a matéria.

A “influenciadora”, de 41 anos, confessou ao NYT no lançamento da sua linha de produtos para a pele que custam uma fortuna: “Se você me dissesse que literalmente teria que comer cocô todos os dias para parecer mais jovem, eu comeria. Eu simplesmente comeria”.

Você pode não saber, mas Kim Kardashian é uma das celebridades mais influentes de todo o mundo: tem 316 milhões de seguidores e cada post seu no Instagram custa mais de US$ 1,5 milhão. A fortuna dela é estimada em mais de US$ 1 bilhão.

Recentemente, ela protagonizou outra polêmica pois fez uma dieta restritiva para perder mais de sete quilos em três semanas com o fim de usar, no Met Gala 2022, o mesmo vestido que Marilyn Monroe usou, em 1962, ao cantar “Feliz Aniversário” para o presidente John Kennedy. E em um episódio de The Kardashians contou o motivo que a fez namorar com o comediante Pete Davidson: “Eu tinha ouvido falar que ele era bem-dotado e precisava conferir. Basicamente eu queria transar”.

Com certeza nada do que ela fala é por acaso e o principal objetivo parece ser “fale mal, mas fale o tempo todo de mim”.

Como pesquiso o pânico de envelhecer e de engordar das brasileiras há mais de trinta anos, já testemunhei muitas loucuras: tomar detergente, sabão em pó e vinagre puro; dietas e jejuns sem orientação médica; e incontáveis mulheres jovens e lindas que ficaram deformadas ou morreram em cirurgias plásticas. As brasileiras são as maiores consumidoras em todo o mundo de remédios para emagrecer e de moderadores de apetite e, junto com as norte-americanas, de cirurgias plásticas. Isso não é novidade no Brasil: a revista Time chamou atenção para esse fato, em 2001, na capa com Carla Perez: “A loucura da cirurgia plástica”.

Doenças como anorexia e bulimia tornaram-se uma epidemia em uma geração que cresceu tentando imitar o corpo de Gisele Bündchen e de outras celebridades. Ser magra, jovem e famosa é, para muitas mulheres, mais importante do que ter saúde física e mental.

Sites brasileiros ensinam adolescentes a serem anoréxicas. As páginas são assustadoras com fotografias de meninas esquálidas apontadas como modelos de beleza, dicas para enganar os pais e amigos para fingir que estão alimentadas e formas de autopunição caso comam algo que engorda.

“Ser magra é mais importante do que ser saudável. Você nunca está magra demais. Ser magra é a coisa mais importante que existe. Você não deve comer sem se sentir culpada. Você não deve comer algo que engorda sem se punir depois. Diga que você vai comer no quarto e jogue a comida fora. Em casa, diga que vai comer com os amigos. Aos amigos diga que já comeu em casa. Não engula: morda, mastigue e jogue fora. Durma pouco, assim você queima mais calorias. Limpe banheiros e ambientes bem sujos para perder a fome”.

Já testemunhei muita estupidez sobre o pânico de envelhecer, mas é a primeira vez que vejo uma celebridade mundial confessar que “comeria cocô para parecer mais jovem”. “Os idiotas vão tomar conta do mundo; não pela capacidade, mas pela quantidade. Eles são muitos”, disse Nelson Rodrigues, e, pior ainda, “um idiota está sempre acompanhado de outros idiotas”. Será que os idiotas e seus seguidores fanáticos concordam?

Sobre Solda

Luiz Antonio Solda, Itararé (SP), 1952. Cartunista, poeta, publicitário reformado, fundador da Academia Paranaense de Letraset, nefelibata, taquifágico, soníloquo e taxidermista nas horas de folga. Há mais de 50 anos tenta viver em Curitiba. É autor do pleonasmo "Se não for divertido não tem graça". Contato: luizsolda@uol.com.br
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