Jair deu uma de Jânio

Como os dementem se entendem, Jair Messias Bolsonaro mirou-se no exemplo de Jânio da Silva Quadros, e esperou o golpe que não veio.

Para os mais jovens ou para os não muito afeitos à História, recapitulo: Jânio não aturava o Legislativo, tinha uma relação complicada com a Câmara dos Deputados e com o Senado, onde não contava com o apoio que desejava. Então, arquitetou um plano, com a teatralidade que lhe era própria: renunciaria à presidência da República, pressionado por “forças terríveis”, seguiria para São Paulo e aguardaria no Aeroporto de Cumbica, antes de embarcar num cargueiro para a Inglaterra, que o povo fosse buscá-lo, com apoio militar, e reintroduzi-lo na chefia da Nação, então com poderes absolutos, sem precisar dar satisfações ao Congresso. Esperou, esperou e ninguém apareceu.

Bolsonaro fez algo parecido: depois de perder as eleições nas urnas, recolheu-se ao Palácio da Alvorada, no mais absoluto silêncio, e lá ficou à espera de que as Forças Armadas, pressionadas pela vontade popular, fossem recolhê-lo e reconduzir ao trono do Planalto, mandando às favas o resultado eleitoral. Esperou, igualmente, em vão.

O capitão de segunda categoria tem muito do aloprado mestre-escola. Ambos diziam ter vindo de baixo e com uma missão ditada pelos céus: livrar o Brasil dos comunistas e da corrupção desenfreada. Jair é amante das armas de fogo; Jânio, em regra, vivia de “fogo”. E ambos eram farsantes e mentirosos.

No sábado, o “Mito” interrompeu o seu isolamento para comparecer à cerimônia militar de formatura na Academia de Agulhas Negras. Ainda que cercado de milicos e da nata fardada no governo (comandantes da Secretária-Geral, do Gabinete de Segurança Institucional, Defesa e Exército), manteve-se de cara fechada e em silêncio. Ao contrário dos anos anteriores, não discursou e aplausos recebeu apenas dos familiares dos formandos.

Não se sabe se s. exª. melhorou da infecção bacteriana nas pernas, a erisipela, que o impediu, inclusive, de participar da entrega das cartas credenciais de embaixadores estrangeiros que atuarão no Brasil. Ninguém sentiu a ausência dele.

Foi grande o estrago da vitória de Luiz Inácio. Incentivados e financiados por agentes do agronegócio, alguns poucos caminhoneiros ainda tentaram alguns bloqueios isolados nas estradas do Brasil e outros destrambelhados arruaceiros mantiveram plantão em frente aos quartéis, pedindo novo AI-5. Ações marcadas pelo fracasso. E atingidas pela caneta do ministro Alexandre de Moraes, do TSE, que determinou o bloqueio das contas dos patrocinadores.

A imagem da esperteza anda desgastada na praça brasiliense. E o melhor exemplo disso, nos últimos dias, foi a estupidez protagonizada pelo ministro do Tribunal de Contas da União Augusto Nardes, que se utilizou das redes sociais para disseminar terrorismo, anunciando para breve, “questão de horas, dias, no máximo uma semana, duas, talvez menos do que isso, um desenlace bastante forte da nação”. Exposta a gravação, ele sumiu.

Mais do que repúdio, essa malta desarvorada, raivosa e selvagem, merece o esquecimento. Faz parte de um tempo que já passou, que foi esmagado pelo voto popular, que não deixou saudade e que não deve voltar nunca mais.

Jânio deixou o Brasil de navio. Jair deveria cruzar o oceano de moto, numa motociata composta por todos os seus seguidores. Sem o uso de capacetes, é claro.

Sobre Solda

Luiz Antonio Solda, Itararé (SP), 1952. Cartunista, poeta, publicitário reformado, fundador da Academia Paranaense de Letraset, nefelibata, taquifágico, soníloquo e taxidermista nas horas de folga. Há mais de 50 anos tenta viver em Curitiba. É autor do pleonasmo "Se não for divertido não tem graça". Contato: luizsolda@uol.com.br
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