Leito de morte

Leito de morte. Seu Olair está moribundo, com sua família em volta.
MARA: Acho que ele tá fazendo passagem.
LAIS: Não, papai! Fica com a gente.
OLAIR: O pai de vocês tá partindo, Lais.
PEDRO: Ainda não, pai!
OLAIR: Chegou a minha hora. Só preciso revelar uma coisa. Eu guardei uma surpresa pra cada um de vocês. Pedro, você tá aí?
PEDRO: Tô aqui do seu lado, pai.
OLAIR: Eu te deixei um negócio.
PEDRO: O que, pai?
OLAIR: Diabetes. Essa sua vontade de urinar diversas vezes, sede frequente. Você herdou de mim. Isso é diabetes. Tá no começo. Vai piorar. Se cuida.
PEDRO: Tá.
OLAIR: Saulo.
SAULO: Oi, pai.
OLAIR: Eu te deixei uma dívida de 80 mil reais na Caixa Econômica. Quita pra mim?
SAULO: Quito, papai.OLAIR: Obrigado. Você é o único que tem emprego.
SAULO: Eu sei.
OLAIR: Lais.
LAIS: Fala, pai.
OLAIR: Pra você eu quero deixar um presente.
LAIS: Jura?
OLAIR: Juro. Minha moto.
LAIS (surpresa): Obrigada, pai.
OLAIR: Só tem que quitar. Promete que vai quitar?
LAIS: Prometo.
OLAIR: Eu peguei ela com um agiota. Mas ele é do bem. O nome dele é Gerson. Vai nesse endereço. Ele vai te dizer que é 20 mil reais. Mas é 8. Ele vai te ameaçar. Vai te bater. Daí vocês podem fechar em 10. Tá?
LAIS: Acho que eu não vou querer ficar com a moto, não, pai.
OLAIR: Não precisa ficar. Só precisa quitar, mesmo. Mara.
MARA: Puta merda.
OLAIR: Você tem que abrir a última gaveta.
MARA: Tá.
OLAIR: Da cômoda da sala.
MARA: Tá.
OLAIR: Embaixo da papelada.
MARA: O que é que tem?
OLAIR: Um maço de Derby.
MARA: Pra mim?
OLAIR: Não, só quero que você traga ele aqui pra mim.
MARA: Vou trazer, pai.
OLAIR: Jairo?
JAIRO: Fala, pai.
OLAIR: Você sempre foi o meu preferido. Pra você eu deixei aquilo que eu tenho de mais precioso: minha coleção de VHS. Só tem que me prometer que vai limpar o mofo de cada fita semanalmente. Sabe como é? Tem pegar o cotonete e esfregar o cabeçalho…
Olair morre.
JAIRO: Graças a Deus. A família respira aliviada.

gregorioduvivier

Gregorio Duvivier – Folha de São Paulo

Sobre Solda

Luiz Antonio Solda, Itararé (SP), 1952. Cartunista, poeta, publicitário reformado, fundador da Academia Paranaense de Letraset, nefelibata, taquifágico, soníloquo e taxidermista nas horas de folga. Há mais de 50 anos tenta viver em Curitiba. É autor do pleonasmo "Se não for divertido não tem graça". Contato: luizsolda@uol.com.br
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