Tudo o que você sempre quis saber sobre o amor

Filósofos e artistas pop embasam “A Rosa Mais Vermelha Desabrocha” quadrinho sagaz e didático

Lançado em abril do ano passado, “A Rosa Mais Vermelha Desabrocha” ficou um tempo na cabeceira da minha cama até que a escritora Milly Lacombe, que vem a ser também minha amiga e confidente, me disse o seguinte: “Leia agora! Já! Nele você encontrará todas as respostas”.

Ela não exagerou. Esteja você sofrendo por amor, esteja fazendo os outros sofrerem, seja você uma maria-mole, seja um pedregulho maciço, a quadrinista Liv Strömquist tem uma teoria genial sobre o seu caso, embasada em filósofos, poetas, sociólogos, escritores, cantores, artistas pop e revistas de fofocas.

Para justificar a crítica ao capitalismo feita no subtítulo da obra, Liv cita o escritor coreano Byung-Chul Han (sim, o autor do livro “Sociedade do Cansaço”).

Byung-Chul acredita que nossa forma de amar e se relacionar foi transformada completamente pelo narcisismo extremo do capitalismo tardio. Ele diz que “a libido (a energia sexual) é investida primordialmente na própria subjetividade”. Em outras palavras: como enxergar o outro (e se apaixonar por ele) se estamos o tempo inteiro absortos em nós mesmos?

Tão sagaz quanto didática, Strömquist satiriza em seus quadrinhos nossa busca desenfreada por conhecimento e nossa compulsão a encontrar especialistas para tudo. No campo amoroso, especificamente, analisamos um pretendente de forma tão lógica —listando seus defeitos, os prós e contras, comparando-o com outros, revisando infinitamente nossos traumas— que perdemos a capacidade intuitiva e emocional de simplesmente escolher alguém porque é quem queremos.

Segundo a autora: “A expansão da sociedade de consumo nos faz agir como consumidores racionais e maximizadores de utilidade até em nossos relacionamentos com outras pessoas”.

Se apaixonar, como descobriu Alcibíades no diálogo platônico “O Banquete”, de 358 a.C, é dormir com Sócrates e chegar à conclusão que não existe nenhuma outra pessoa no mundo como Sócrates. É, portanto, se deixar arrebatar pela alteridade e sentir raiva quando uma amiga diz: “Desencana! Você vai arrumar outro rapidinho”.

Numa sociedade em que só enxergamos a nós próprios, em que os contatos são seriais e superficiais (e o parceiro sexual é uma carinha descartável que arrastamos para o lado em aplicativos de paquera), a capacidade de se encantar e amar vem sendo aniquilada diariamente.

Ninguém que compete o tempo todo topa “cair” (“falling in love”) perante um concorrente.

Para os homens, segundo a socióloga Eva Illouz, já é aviltante ver algumas mulheres trabalhando mais, ganhando mais, mandando mais, logo o único jeito de ainda acreditarem que têm algum poder sobre elas é tomando distância: “o controle que os homens antigamente exerciam em casa foi transferido para o sexo e a sexualidade, e a sexualidade tornou-se o domínio onde podem expressar e exibir sua autoridade e autonomia”.

Não leia esse livro em busca de uma explicação lógica sobre o fim de um relacionamento ou para encontrar formas de controlar os sentimentos. Leia, justa e unicamente, para lembrar como era bom se entregar à força misteriosa que é o amor.

Sobre Solda

Luiz Antonio Solda, Itararé (SP), 1952. Cartunista, poeta, publicitário reformado, fundador da Academia Paranaense de Letraset, nefelibata, taquifágico, soníloquo e taxidermista nas horas de folga. Há mais de 50 anos tenta viver em Curitiba. É autor do pleonasmo "Se não for divertido não tem graça". Contato: luizsolda@uol.com.br
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