Como insistiu Ortega y Gasset, “eu sou eu e minhas circunstâncias”. Eu, como ser humano, vou indo aos truques e barracos. Agora, as circunstâncias estão de um jeito que ninguém mais dá jeito. Em tudo tem gente que sabe mais do que eu, entende mais e tem poder de dispor as coisas do jeito que bem entende. E tudo isso são minhas circunstâncias. Que sacada, heim? Valeu, Ortega y Gasset! Veja, por exemplo, o que são minhas circunstâncias de escritor. Vivemos num mundo atulhado de livros. Milhões de escritores. Aí, publiquei um — é sempre filho de parto anormal que vem ao mundo… cheio de esperanças. Ó, mundo cruel! Parto anormal quer dizer “feito sem grana de editoras”.
Daí, começou a grande valsa da distribuição do livro — veeeende aquiiii, veeeeende aliiiiii… Aí, por amor aos nobres leitores com menos dinheiro, levei alguns exemplares como doação à Biblioteca Pública. No caso, livros de ficção. Bondosa alma, né? Claro que se deve dar e esquecer, fazer o bem sem olhar a quem — e todos os chavões de autoajuda milenar. Mas sempre bate uma curiosidade autoral — vaidades das… Então, fui à Biblioteca e procurei os livros. No fichário, está lá PR B869.35 C 2436 NEM. Eu, enfim, catalogado. Pra completar, diria ‘morto e sepultado’. Por quê?
Perguntei onde estava o livro e me disseram que era no segundo andar, setor de Documentação Paranaense. Cheguei lá e tentei me aproximar das estantes pra procurar e fui interpelado pelo atendente. Ele perguntou o que eu procurava. Mostrei a sequência escrita da ficha catalográfica e ele me pediu que esperasse. Ele ia buscar o livro. Aí, li na estante que só se podia entrar acompanhado por um atendente. Danger! No trespass! Esperei e ele me trouxe o livro. Abri pra ver se alguém o havia emprestado. O atendente me disse que era só pra consulta local. Nada de empréstimo! Deixei o livro em cima da mesa e me mandei. “Mandar é sentar-se”, glosava Ortega y Gasset. Um trono, uma cadeira de espaldar alto… e tem-se alguém com poder. Alguém que lá do alto olhou meus livros e decretou ‘Setor de Documentação Paranaense’. E lá se foram os pobres… pro ostracismo. Fiquei triste, mas tenho que respeitar as circunstâncias, né?
Um dia, quando o mundo acabar, o Setor de Documentação Paranaense vai permanecer de pé — pronto pra receber alienígenas e mostra a eles que aqui viveu um escritor, publicou livros que não deviam ser levados pra casa. “Talvez um escritor maldito!” — pensarão os alienígenas. Será que vão ficar curiosos e ler?
*Autor de Nem Bobo Nem Nada, Ovos do Ofício, Tal de Tanto de Tal, O Conselho e tchau!