Mediocridade e Morte

“O assassino está à solta. Mas ainda faltam olhos de ver e disposições que assumam a dignidade que o tempo exige”

Tenho a obrigação de escrever como educador há 50 anos. Exerço uma profissão evidentemente odiada pelo clã Bolsonaro, talvez por derivação do ódio que nutrem por Paulo Freire e por tudo o que signifique autonomia, emancipação e interação humana. Há algo muito estranho e quase incompreensível a acontecer com parte da população brasileira e com os poderes constituídos, exceto a presidência da República, lugar em que exerce o poder o rei da velha política, Jair Messias.

Apesar do nosso horror contínuo com a perda de vidas pela nova peste que se abate sobre a sociedade global e seus modos antiecológicos de vida, espanta que este senhor assassino direto e indireto da vida brasileira se mantenha no poder por tempo superior ao de Collor de Melo.

E o faz com civis e militares a tiracolo, alguns deles respeitáveis e a maioria oportunista, como foi comum na República desde 1889 e fartamente documentado pelos historiadores e sociólogos da frágil democracia brasileira. Como fazem falta Celso Furtado e Raymundo Faoro!

É verdade que a safra de dirigentes políticos do mundo é medíocre, o que ajuda a compreender sua permanência. Quando este professor-pesquisador entrevistava escritores e intelectuais israelenses, ainda nos anos de 1970, sobre as vocações para a literatura, alguns dos entrevistados disseram que há momentos na história em que as grandes vocações se dirigem para certos campos do saber humano e que a distribuição não é simétrica.

De fato, não é. Com raras exceções, o tempo é de mediocridade na direção política da sociedade de interpenetrações setoriais e tendência globalizante, ainda incompleta, mas a demonstrar todos os seus erros e defeitos. Pior, a mediocridade é criadora de mitos, como demonstraram fartamente Roland Barthes de um lado e Max Weber de outro.

No entanto, é de espantar que um criador de mediocridades diárias à porta do palácio, um produtor insano de folhetins que, direta e indiretamente, estão a matar mais e mais brasileiros e confundir outros, se mantenha na direção de um dos poderes da República. E a produzir divisionismo e sinais de morte nos outros poderes.

Sua saída é urgentíssima. A despeito da reação de setores da população enganados em seu voto e em parte já arrependidos. A despeito do modo clássico de reação legislativa, que espera o fim da pandemia para pensar algo novo, o que não se deu com Collor e Dilma. O divisionista, ao fim e ao cabo, não está “nem aí” para a pandemia; ao contrário, aproveita-se dela a seu favor.

Ora, este senhor é assassino direto pela vociferação, provocadora da divisão e da cizânia, similar ao bafejo da morte. Nenhum outro dirigente do planeta está a fazer como ele. Trata-se do pior dirigente, do mais medíocre entre os medíocres. Então, por que ainda exerce o poder?

Por que os militares e civis sensatos que giram em torno dos palácios ainda se encontram a tiracolo? O que esperam? Ganham altos salários? Ou pensam que estão a fazer algo útil à nação? Coitados! Não tiveram familiares e amigos mortos em quantidade a provocar algum grau de revolta contra o divisionismo provocado pelo senhor de voz e mãos assassinas?

O que esperam os demais poderes, além de demonstrar que Collor e Dilma nada fizeram e tudo o que ocorreu foi um mesquinho jogo de interesses da velha política? Mas agora o que está na balança são os fundamentos da vida do país, pois nenhuma ação em que este senhor pôs as mãos desde janeiro de 2019 foi adiante, avançou ou melhorou, seja economia, saúde, educação. Do mesmo modo, direitos humanos, ecologia, cuidados com as nações indígenas e meio ambiente. Enfim, o nada nonada, para lembrar palavra de Guimarães Rosa. O que é nada não tem razão de prosseguir na direção política da nação.

Todos quebraremos a cara e teremos o todo ou parte de nós assassinada, pois o comportamento pregresso e atualizado da figura citada indica uma personalidade totalmente vinculada aos processos de morte, armamento, baixeza ética, negação do outro e da outra, bipolaridade em cada frase e em cada hora do dia.

Tudo já foi dito e tudo já foi demonstrado; ampliado agora com as últimas revelações, ultimas novelinhas medíocres e folhetins negadores da vida cotidiana deste povo já sofrido em sua história democrática.

Teremos de ser um país sério. O que menos interessa agora é que tenhamos algumas estruturas sociais organizadas, pois não se trata de fazer leitura estruturalista das instituições e sim leitura dialética do que está a morrer continuamente dentro de nós e ao nosso redor.

O assassino está à solta. Mas ainda faltam olhos de ver e disposições que assumam a dignidade que o tempo exige.  Todo tempo mediocrizado pela política e pela espera do que não existe é tempo para perder oportunidades históricas e ampliar sofrimentos.

Luiz Roberto Alves|Revista Forum

Sobre Solda

Luiz Antonio Solda, Itararé (SP), 1952. Cartunista, poeta, publicitário reformado, fundador da Academia Paranaense de Letraset, nefelibata, taquifágico, soníloquo e taxidermista nas horas de folga. Há mais de 50 anos tenta viver em Curitiba. É autor do pleonasmo "Se não for divertido não tem graça". Contato: luizsolda@uol.com.br
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