Mais dois pontos sobre Fortuna

No dia 30 de junho (2022), o Solda (re)publicou um texto sobre o maranhense Reginaldo José de Azevedo Fortuna, subscrito por Dodó Macedo, que faz referência sobre o livro “Fortuna: o cartunista dos cartunistas”, lançado em 3 de junho de 2014. O texto de Dodó é perfeito, nos contando a rica e extraordinária vida do Fortuna, um dos mais geniais cartunistas da história do Brasil.

Abelhudo, me dou ao direito de acrescentar dois episódios da vida de Fortuna, que não foram abarcados pelo texto de Dodó Macedo.

Em meados de 1970, quando ainda morava no Rio de Janeiro, Fortuna ficou sabendo que seu ídolo Apparício Fernando de Brinkerhoff Torelly, o gênio da raça Barão de Itararé, estava vivendo na mais negra miséria num minúsculo apartamento no Rio. Os filhos raramente apareciam para ver o pai. Vivia de uma parca aposentadoria que os amigos haviam conseguido junto ao INSS e algumas colaborações para a Ultima Hora, ainda com Samuel Wainer. Fortuna descobriu o endereço e foi até o local. Bateu na porta e o Barão atendeu. Fortuna se identificou como cartunista e o Barão mandou que entrasse. A morada era uma lástima, sujeira por todos os lados, centenas de baratas andando pelo pequeno apartamento e na geladeira apenas um litro de leite meio cheio e meio vazio. O Barão de Itararé, para complicar ainda mais as coisas, misturava momentos de lucidez e de perda da memória. Fortuna lavou um copo imundo só com água já que não haviam produtos de limpeza na casa.

O Barão de Itararé sorveu o leite e disse ao Fortuna: “Quando concorri a vereador pelo Rio de Janeiro, na legenda do partido comunista, minha campanha tinha um slogan: ‘Mais água e mais leite, mas menos água no leite’. Fui eleito”.

Fortuna percebeu que o Barão de Itararé estava consciente e entabulou uma conversa, dizendo que um homem como ele, tão importante na história do Brasil, não poderia viver naquelas condições. A primeira coisa a fazer era se livrar das baratas. O Barão não gostou da observação: “Quando estava preso, depois da Intentona Comunista, escrevia bilhetes e os colocava nas baratas que andavam pelas celas. Elas eram o nosso correio. Tenho uma profunda gratidão por elas”. Dono de uma longa barba, completamente branca, a mesma estava cheia de formigas. O Barão comia doces e mastigava açúcar e como não lavava a barba a mesma se enchia de formigas.

Fortuna então levou o Barão de Itararé ao banheiro, aparou a barba, se livrou das formigas e para acabar o serviço colocou o nosso personagem debaixo do chuveiro e lhe deu um banho. Limpo, o Barão disse que estava com fome. Fortuna saiu, dizendo que voltaria, foi ao restaurante da esquina e comprou almoço para dois

1960|2023

Sobre Solda

Luiz Antonio Solda, Itararé (SP), 1952. Cartunista, poeta, publicitário reformado, fundador da Academia Paranaense de Letraset, nefelibata, taquifágico, soníloquo e taxidermista nas horas de folga. Há mais de 50 anos tenta viver em Curitiba. É autor do pleonasmo "Se não for divertido não tem graça". Contato: luizsolda@uol.com.br
Esta entrada foi publicada em Paulo Roberto Ferreira Motta e marcada com a tag , . Adicione o link permanente aos seus favoritos.
Compartilhe Facebook Twitter

Deixe um comentário

Esse site utiliza o Akismet para reduzir spam. Aprenda como seus dados de comentários são processados.