Massagem tântrica muda uma pessoa, jurou Augusto; faça por você, por mim

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Tati Bernardi – Folha de São Paulo

Eu comia grão de bico com cottage por motivo de gastrite. Bebia água morna com limão, porque funciona como um detergente para o fígado. Usava um cachecolzinho leve: fazia sol, mas vai que o ar condicionado me arranha as amígdalas? Augusto pediu desculpas pelo atraso. Estava em sua sessão quinzenal de massagem tântrica. Tive certeza que era piada e mudei de assunto. Ele imobilizou meu pulso e olhou firme: é o tipo da coisa que muda a vida da pessoa. Com a outra mão, começou a digitar em seu celular. O que você está fazendo, Augusto? Marcando uma sessão pra você. Achei que era piada e mudei de assunto. Ele pediu risoto com linguiça. Sabia que uma salsicha pode encurtar sua vida em até cinco dias? “E pensar tanto pode encurtar sua vida em cinco anos!”, ele respondeu, bebendo Coca Zero. Seria minha cabeça uma espécie de embutido com tudo o que eu tenho de pior? Um prensado de neuroses? Um defumado de angústias?

Augusto acha que ter na bolsa Zoloft, Rivotril e Dramin não quer dizer que sofro de ansiedade aguda e sim que não aprendi a liberar as energias… Ele contou que explodiu uma luminária novinha e caríssima que ficava ao lado da cama. Poxa, e não dá pra trocar por outra na loja? Tem alguma coisa errada com quem pensa na parte “luminária” da história e não na parte “orgasmo intergaláctico”, disse Augusto. E então me mostrou sua conversa de WhatsApp. Ele explicando à terapeuta, de nome Deva, que se tratava de uma amiga com tendinites, gastrites, amigdalites. E ela dizendo: “Sim, hoje mesmo, às duas da tarde.”

Fiquei ofendida com a exposição e roubei o celular da mão dele. Ia desmarcar a parada. Foi quando vi a pequena foto de Deva no cantinho direito acima. Cliquei pra ver maior. Acho que esse tipo de curiosidade não orna com uma técnica séria e milenar de autoconhecimento, mas tenho minhas limitações. “Vem tranquila, vamos trabalhar bastante a sua ‘yoni’!”, ela avisou por áudio. Bem, eu tenho uma tia com esse nome, mas no caso ela se referia à minha vagina. Lembrei de tia Yone comendo ameixas no Natal, os caroços se enfileirando no pratinho, o rosto molenga capengado sobre um queixo tremeliquento. Tia Yone dizendo que ameixa era bom pra “ir ao banheiro”. Não ia dar certo. Nunca mais nada daria certo. Prefiro Efexor com chá de hortelã. Vamos esquecer essa coisa de libido louca, loucura, luminárias que explodem. Vamos apenas continuar vivendo, desse jeitinho grão de bico com cottage. Ser feliz dá fobia.

Augusto paralisou novamente meu pulso. Faça isso por você, por mim, por todos os seus amigos, pelo seu casamento, pela cidade, pela Eletropaulo, pelo Haddad. Bom, tinham desmarcado mesmo a minha reunião. “Mas eles usam luvas?” E com essa pergunta encerrei a paciência de meu amigo. Ele pediu a conta e chamou meu carro.

Coloquei aquela do refrão “Take me now, baby, here as I am” no último volume e parti com coragem e atitude para o orgasmo dos orgasmos. Para receber em minha yoni uma massagem com luvas (olhei no Google e, sim, eles usam) e salvar os golfinhos. Mas o Morumbi é um bairro dificílimo e me perdi pra sempre. Em comparação a achar uma rua no Morumbi, ter um orgasmo intergaláctico me pareceu a coisa mais fácil do mundo.

Sobre Solda

Luiz Antonio Solda, Itararé (SP), 1952. Cartunista, poeta, publicitário reformado, fundador da Academia Paranaense de Letraset, nefelibata, taquifágico, soníloquo e taxidermista nas horas de folga. Há mais de 50 anos tenta viver em Curitiba. É autor do pleonasmo "Se não for divertido não tem graça". Contato: luizsolda@uol.com.br
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