Meu voto, minhas regras

Discurso identitário vê minorias como incapazes de pensar diferente da militância

A coligação Irmãos da Itália, dirigida por Giorgia Meloni, venceu as eleições legislativas italianas. Desde Mussolini, é a primeira vez que um partido ligado ao fascismo assume o poder. Além disso, pela primeira vez, uma mulher estará no comando do governo. No noticiário, o traço reacionário de Meloni foi mais ressaltado do que o fato de ela ser mulher. Afinal, questões como xenofobia e nacionalismo são mais relevantes do que o sexo do governante que apoia essas pautas.

Porém, não é o que se vê quando a governante é de esquerda. Dilma venceu as eleições e foi exaltada por ser a primeira mulher presidente do Brasil. Ou seja, Giorgia Meloni, assim como Angela Merkel e Margaret Thatcher, prova que o discurso que exige mais mulheres no poder vai só até a página dois da cartilha feminista, na qual fica claro que o objetivo é mais mulheres de esquerda no poder.

De modo semelhante, em artigo recente para a Folha, um acadêmico afirma que não devemos votar em pessoas brancas e indica um site com 120 candidaturas de pessoas negras, todas de partidos de esquerda.

O primeiro problema nesses discursos é a falácia do ad hominem, que enaltece ou desmerece as ideias do interlocutor por suas características físicas, não pela qualidade das ideias. O segundo é a objetificação, que trata minorias como incapazes de pensar e escolher posições político-ideológicas contrárias às da militância. Como se ser uma mulher liberal ou um negro conservador fosse uma incongruência.

Ao tratar do totalitarismo, a filósofa Hannah Arendt critica a objetificação com esta analogia: “um tinteiro é sempre um tinteiro, o ser humano é a sua existência”. Logo, não somos coisas que cumprem mera função utilitária. Somos sujeitos livres para pensar e escolher os papéis que vamos representar ao longo da vida. Tratar seres humanos como entes biológicos, por sexo ou raça, é encerrá-los em papéis fixos imutáveis.

Ou seja, o oposto do que qualquer movimento que se diz libertário deve advogar.

Sobre Solda

Luiz Antonio Solda, Itararé (SP), 1952. Cartunista, poeta, publicitário reformado, fundador da Academia Paranaense de Letraset, nefelibata, taquifágico, soníloquo e taxidermista nas horas de folga. Há mais de 50 anos tenta viver em Curitiba. É autor do pleonasmo "Se não for divertido não tem graça". Contato: luizsolda@uol.com.br
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