Antes de virar Micuim jornal digital, o micuim, animal pastoral, infernizou costas, espáduas, costelas, paletas, braços, pernas.
O micuim, que não é carrapato mas adora pele e couro, é marca de infância: pode até arder ao se relembrar folguedos, traquinagens, peladas em gramados baldios.
As mordidas ardidas do micuim, a pele avermelhada, a coceira aflitiva, breves passagens na derme infantil e juvenil. Daí em diante começam outras coceiras – no espírito, no cérebro, entre as pernas.
E chega-se à vida adulta com o hobby micuiniano: procurar sarna pra se coçar. Sem essa busca incessante talvez nem houvesse aventureiros, exploradores, cientistas, ativistas, jornalistas, humoristas.
Nem haveria a vara curta pra cutucar onças e os bichos nocivos da fauna política. Ir atrás da sarna pra se divertir aí já é derivação: ansiar pelo alívio após o prazer das provocações. Incomodar pra depois rir.
Com ou sem pandemia, com ou sem idiotas no poder, com ou sem novos jornais de humor, é dever não parar de rir.
Deve-se sorrir porque o sorriso é a única cauda que temos.
Deve-se dar risada para não ser solene. Dá uma trabalheira danada engomar atitudes ou fazer vinco no entusiasmo.
Deve-se gargalhar porque não existe eco melhor no vale de lágrimas.
Deve-se achar graça a qualquer preço, sobretudo porque a carestia impede que a graça vá de orelha a orelha.
Deve-se rir sem motivo porque nada é tão motivacional.
Deve-se aproveitar tudo que restou de engraçado neste mundo, ou até do outro.
Deve-se rir de si mesmo, para evitar sair do sério.
Deve-se soltar gaitadas pelo simples fato que é mais fácil que tocar sanfonas e acordeões.
Deve-se estocar risos para os tempos de piadas magras.
Deve-se buscar o risível por que de outra forma ele passa pela gente sem nos reconhecer.
Deve-se rir antes de dormir para acordar, quem sabe, com vestígios dele na cara.
Deve-se rir porque as desgraças vêm e vão, vêm em vão, vêm nos vãos, vêm nos vaus, vêm em vans. Elas vêm nos ver, e um dia ficam.