A mudança do perfil dos moradores de rua de Curitiba

Quem conta são voluntários de um grupo que se autodenomina “Café com Afeto”, que todas as segundas e sextas-feiras distribui café da manhã, kits de higiene, roupas usadas, carinho e afeto às pessoas em situação de rua de Curitiba. Nas segundas, na Praça Santos Andrade e adjacências; nas sextas, ao redor do Mercado Municipal. Os moradores de rua ficam muito felizes quando o café com leite vem acompanhado de sanduiche, bolo e bolacha.

Contam os voluntários que, depois da pandemia, o perfil das pessoas em situação de rua mudou bastante.

O “Café com Afeto”, além da distribuição do café da manhã, roupas e dos kits de higiene, pergunta aos moradores de rua sobre coisas que eles estão precisando. Geralmente, eles respondem que precisam de currículos para tentar obter uma vaga de emprego e sair das ruas ou de encaminhamento para internamento para desintoxicação. Aí, o “Café com Afeto” pega a Carteira de Trabalho deles para elaborar o documento e tenta fazer os encaminhamentos.

Surge a grande surpresa: antes da pandemia muitos estavam empregados. Existem entre os moradores de rua gente que era cozinheiro em restaurante de hotel da cidade, trabalhadores qualificados na Cidade Industrial, comerciários, atendentes em escritórios e por aí afora. Com a pandemia perderam o emprego e sem condições de pagar o aluguel foram para as ruas, alguns com as mulheres e os filhos.

Eles pedem ao “Café com Afeto” que lhes redijam e imprimam os currículos. Daí a descoberta que a grande maioria dos moradores de rua é gente que tinha emprego antes da pandemia. De posse dos dados e das Carteiras de Trabalho, o “Café com Afeto” elabora os currículos e tira várias cópias que entrega nas empresas que empregam pessoas com as qualificações profissionais dos moradores de rua. Como todo currículo tem que ter um telefone de contato, os integrantes do “Café com Afeto” colocam os seus. Muito de vez em quando, surge no celular dos membros do “Café com Afeto” uma ligação não identificada. Eles atendem com muita esperança. Ainda mais de muito de vez em quando, é uma proposta de emprego. Às vezes, dá certo e o sujeito, empregado, sai das ruas com a família.

Outras vezes acontecem situações inusitadas, como a de uma mulher, doente, que não possuía RG e o SUS colocava inúmeros óbices para lhe dar o atendimento, já que não conseguia comprovar o seu nome. O “Café com Afeto” então ligou para o cartório de registro civil de onde a mulher nasceu e conseguiu a Certidão de Nascimento. Depois, o pessoal acompanhou a mulher até o Instituto de Identificação e ela saiu de lá com a Carteira de Identidade e o SUS deixou de colocar obstáculos para lhe prestar o atendimento médico de que necessita. Houve vários casos de pessoas sem nenhum documento de identificação pessoal, o que dificultava em muito o acesso a qualquer serviço público.

Com a entrega dos kits de higiene, surge uma dificuldade adicional para os vulneráveis que estão nas ruas: a água, ou a falta dela. Às vezes, eles obtém a misericórdia dos moradores e comerciantes das redondezas; outras vezes, não. Então resta um caminho: utilizar banheiros de lugares públicos, como a Rodoviária e tentar realizar um mínimo da higiene pessoal ou mesmo esperar que o Cemitério Municipal feche suas portas e utilizar as torneiras.

O “Café com Afeto” é um grupo independente, sem qualquer ligação com entidades públicas ou privadas. Possuí uma página no Instagram (https://instagram.com/cafecomafeto10?gshid=YmMyMTA2M2Y=). No endereço citado, é possível saber como se tornar um voluntário, como doar e como ajudar.

Sobre Solda

Luiz Antonio Solda, Itararé (SP), 1952. Cartunista, poeta, publicitário reformado, fundador da Academia Paranaense de Letraset, nefelibata, taquifágico, soníloquo e taxidermista nas horas de folga. Há mais de 50 anos tenta viver em Curitiba. É autor do pleonasmo "Se não for divertido não tem graça". Contato: luizsolda@uol.com.br
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