“Senhor presidente do Sporting Clube de Portugal, senhor presidente do Sport Lisboa e Benfica: Conforme prometi e nunca quebrei uma promessa na vida, refleti profundamente sobre a questão posta. Não se assustem, mas todos os assuntos que chegam ao Palácio de São Bento para que eu os resolva, são sempre por dinheiro. Os senhores querem o ‘negro’, que segundo todos me dizem, é um fenômeno com o esférico nos pés e na cabeça. Pensam em lotar o estádio José Alvalade ou o da Luz e faturar milhões de escudos com os bilhetes. É sempre o dinheiro. Pois bem, Portugal enriqueceu com os seus navegadores que singraram os mares do mundo. Enriqueceu ainda mais com os negros que buscou na África e com os que mandou ao Brasil. Contudo, sempre pagamos pelos negros e negras que arrancamos da África. É sempre o dinheiro. O ‘facto’ concreto é que o Benfica pagou à ‘negra’ que pariu o ‘negro’. O ‘negro’ há de jogar no Benfica. Ainda hoje, vou ‘ordenar’ ao senhor presidente da Federação Portuguesa de Futebol que registre o ‘africano’ como jogador do Benfica. Tenho dito. A audiência está encerrada. Bom almoço aos senhores presidentes”. Salazar levantou e saiu da sala.
O presidente do Benfica teve uma excelente refeição. Devorou uma bacalhoada e derrubou uma garrafa do mais caro vinho Dão. O do Sporting, sem apetite, foi para a casa e ordenou aos criados, todos negros, que não lhe passassem nenhum telefonema e não deixassem ninguém, nem mesmo a esposa, entrar no quarto.
No domingo seguinte, conforme previra Salazar, o Benfica vendeu milhões de escudos em bilhetes e lotou o Estádio da Luz. Todos queriam saudar os campeões da Europa e ver o moçambicano de quem a imprensa falava maravilhas. Goleada do Benfica, com vários gols e assistências de Eusébio. Na verdade, os africanos já faziam sucesso jogando futebol em Portugal. Até então, o maior craque da seleção portuguesa era Matateu (Sebastião da Fonseca Lucas), d`O Belenenses. No Benfica, brilhavam Mário Coluna e José Águas. Matateu e Coluna, mulatos, eram nascidos em Moçambique, o branco Águas em Angola. Mas Eusébio era o melhor de todos, disseram todos os portugueses que o viram jogar. Na segunda-feira, as bancas de jornais de todo Portugal amanheceram com a edição do esportivo “A Bola”. O editor tinha escolhido uma foto de Eusébio sorridente depois de um gol e a capa era toda tomada pelo seu rosto. Abaixo a legenda: “O Pantera Negra”. Doravante, e até hoje, os adeptos do Benfica levam aos estádios enormes bandeiras vermelhas com a figura de uma pantera negra.
Com a realização da primeira Copa Libertadores da América, vencida pelo Peñarol, um empresário esperto resolveu instituir uma competição entre o ganhador da Libertadores e da Copa de Campeões da Europa. A FIFA, que não levava um tostão da empreitada, que deixava milhões nas mãos do espertalhão e dos clubes, nunca reconheceu a competição como “mundial de clubes”, reconhecendo apenas como campeões do mundo os clubes vencedores do seu mundial, iniciado no Brasil em 2000 e retomado em 2005 no Japão. Assim sendo, no Brasil, apenas são campeões mundiais com o selo FIFA o Corinthians (2000 e 2012), São Paulo (2005) e o Internacional (2006).
Ocorre, entretanto, que o primeiro mundial “Mandrake” foi realizado em 1960 entre o Real Madrid e o Peñarol. No primeiro jogo (Estádio Centenário), empate em zero a zero. No segundo (Estádio Santiago Bernabéu), vitória arrasadora do Real Madrid. No ano seguinte, disputaram o torneio, denominado pelo empresário espertalhão de Copa Intercontinental (já que a FIFA havia proibido a utilização de denominação de Campeonato Mundial), o Peñarol (que havia bisado a Libertadores) e o Benfica, o segundo campeão europeu, depois de cinco conquistas consecutivas do Real Madrid.
No primeiro jogo, em Lisboa, desfalcado de Eusébio, machucado, vitória do Benfica por 1×0, com gol do também moçambicano Coluna. No jogo de volta, ainda sem Eusébio, e com uma atuação irreconhecível, o Benfica foi goleado por 5×0 no Estádio Centenário. As noitadas no Rio de Janeiro, onde o Benfica havia feito escala, antes de chegar ao Uruguai, cobraram o seu preço. Como o regulamento não previa desempate por saldo de gols, um terceiro jogo foi marcado e disputado no mesmo Centenário. O Peñarol de Maidana (que depois jogaria no Palmeiras), com Martínez e Cano; González, Gonçalves e Aguirre; Cubilla, Ledesma, Sasía, Spencer e Joya, treinado por Roberto Scarone, venceu, por 2×1; o Benfica de Costa Pereira, com Ângelo, Humberto; Neto, Cruz e Simões; José Augusto, Eusébio, Águas, Coluna e Cavém, tendo como técnico Béla Guttmann. Sasía abriu o placar, Eusébio empatou e Sasía fez seu segundo gol na partida.