O “Monstro do Maracanã” e o “Pantera Negra” – VI parte

Exatamente às dezoito horas, os presidentes do Benfica e do Sporting entraram na sala de audiências de Salazar. O ditador mandou-os sentar, um em cada lado da mesa e tomou assento na cabeceira. “Senhores presidentes, como disse vou ouvir as duas partes. Pelas informações que tenho, entendo que o senhor presidente do Sporting deva falar antes e o senhor presidente do Benfica depois. Não interrompam um ao outro, pois do contrário encerro a audiência. Réplicas e tréplicas não serão admitidas. Aqui é o Palácio de São Bento, onde as decisões mais importantes de Portugal são tomadas e não a beira do Tejo, onde as lavadeiras e os rufiões se ofendem e se agridem fisicamente. Mantenham a compostura que é esperada de dois cidadãos que gozam do mais alto prestígio e consideração por parte deste que vos fala. Cada um terá trinta minutos, vou contar no relógio, para exporem as suas versões”. Uma hora depois, ouvidos os argumentos de ambos os lados, Salazar respondeu: “Todos os pontos expostos pelas duas partes são altamente relevantes. A questão é muito difícil. Amanhã vou passar o dia em Setúbal fiscalizando obras. No domingo, logo após o Cardeal sair do Palácio, depois da Santa Missa, vou refletir profundamente sobre a questão. Ordenei que marcassem na agenda um horário para os senhores presidentes virem ouvir a minha decisão final e irrevogável ainda no domingo, às onze horas da manhã”. Os presidentes levantaram, fizeram as deferências de praxe e foram embora.

“Senhor presidente do Sporting Clube de Portugal, senhor presidente do Sport Lisboa e Benfica: Conforme prometi e nunca quebrei uma promessa na vida, refleti profundamente sobre a questão posta. Não se assustem, mas todos os assuntos que chegam ao Palácio de São Bento para que eu os resolva, são sempre por dinheiro. Os senhores querem o ‘negro’, que segundo todos me dizem, é um fenômeno com o esférico nos pés e na cabeça. Pensam em lotar o estádio José Alvalade ou o da Luz e faturar milhões de escudos com os bilhetes. É sempre o dinheiro. Pois bem, Portugal enriqueceu com os seus navegadores que singraram os mares do mundo. Enriqueceu ainda mais com os negros que buscou na África e com os que mandou ao Brasil. Contudo, sempre pagamos pelos negros e negras que arrancamos da África. É sempre o dinheiro. O ‘facto’ concreto é que o Benfica pagou à ‘negra’ que pariu o ‘negro’. O ‘negro’ há de jogar no Benfica. Ainda hoje, vou ‘ordenar’ ao senhor presidente da Federação Portuguesa de Futebol que registre o ‘africano’ como jogador do Benfica. Tenho dito. A audiência está encerrada. Bom almoço aos senhores presidentes”. Salazar levantou e saiu da sala.

O presidente do Benfica teve uma excelente refeição. Devorou uma bacalhoada e derrubou uma garrafa do mais caro vinho Dão. O do Sporting, sem apetite, foi para a casa e ordenou aos criados, todos negros, que não lhe passassem nenhum telefonema e não deixassem ninguém, nem mesmo a esposa, entrar no quarto.

No domingo seguinte, conforme previra Salazar, o Benfica vendeu milhões de escudos em bilhetes e lotou o Estádio da Luz. Todos queriam saudar os campeões da Europa e ver o moçambicano de quem a imprensa falava maravilhas. Goleada do Benfica, com vários gols e assistências de Eusébio. Na verdade, os africanos já faziam sucesso jogando futebol em Portugal. Até então, o maior craque da seleção portuguesa era Matateu (Sebastião da Fonseca Lucas), d`O Belenenses. No Benfica, brilhavam Mário Coluna e José Águas. Matateu e Coluna, mulatos, eram nascidos em Moçambique, o branco Águas em Angola. Mas Eusébio era o melhor de todos, disseram todos os portugueses que o viram jogar. Na segunda-feira, as bancas de jornais de todo Portugal amanheceram com a edição do esportivo “A Bola”. O editor tinha escolhido uma foto de Eusébio sorridente depois de um gol e a capa era toda tomada pelo seu rosto. Abaixo a legenda: “O Pantera Negra”. Doravante, e até hoje, os adeptos do Benfica levam aos estádios enormes bandeiras vermelhas com a figura de uma pantera negra.

Com a realização da primeira Copa Libertadores da América, vencida pelo Peñarol, um empresário esperto resolveu instituir uma competição entre o ganhador da Libertadores e da Copa de Campeões da Europa. A FIFA, que não levava um tostão da empreitada, que deixava milhões nas mãos do espertalhão e dos clubes, nunca reconheceu a competição como “mundial de clubes”, reconhecendo apenas como campeões do mundo os clubes vencedores do seu mundial, iniciado no Brasil em 2000 e retomado em 2005 no Japão. Assim sendo, no Brasil, apenas são campeões mundiais com o selo FIFA o Corinthians (2000 e 2012), São Paulo (2005) e o Internacional (2006).

Ocorre, entretanto, que o primeiro mundial “Mandrake” foi realizado em 1960 entre o Real Madrid e o Peñarol. No primeiro jogo (Estádio Centenário), empate em zero a zero. No segundo (Estádio Santiago Bernabéu), vitória arrasadora do Real Madrid. No ano seguinte, disputaram o torneio, denominado pelo empresário espertalhão de Copa Intercontinental (já que a FIFA havia proibido a utilização de denominação de Campeonato Mundial), o Peñarol (que havia bisado a Libertadores) e o Benfica, o segundo campeão europeu, depois de cinco conquistas consecutivas do Real Madrid.

No primeiro jogo, em Lisboa, desfalcado de Eusébio, machucado, vitória do Benfica por 1×0, com gol do também moçambicano Coluna. No jogo de volta, ainda sem Eusébio, e com uma atuação irreconhecível, o Benfica foi goleado por 5×0 no Estádio Centenário. As noitadas no Rio de Janeiro, onde o Benfica havia feito escala, antes de chegar ao Uruguai, cobraram o seu preço. Como o regulamento não previa desempate por saldo de gols, um terceiro jogo foi marcado e disputado no mesmo Centenário. O Peñarol de Maidana (que depois jogaria no Palmeiras), com Martínez e Cano; González, Gonçalves e Aguirre; Cubilla, Ledesma, Sasía, Spencer e Joya, treinado por Roberto Scarone, venceu, por 2×1; o Benfica de Costa Pereira, com Ângelo, Humberto; Neto, Cruz e Simões; José Augusto, Eusébio, Águas, Coluna e Cavém, tendo como técnico Béla Guttmann. Sasía abriu o placar, Eusébio empatou e Sasía fez seu segundo gol na partida.

Sobre Solda

Luiz Antonio Solda, Itararé (SP), 1952. Cartunista, poeta, publicitário reformado, fundador da Academia Paranaense de Letraset, nefelibata, taquifágico, soníloquo e taxidermista nas horas de folga. Há mais de 50 anos tenta viver em Curitiba. É autor do pleonasmo "Se não for divertido não tem graça". Contato: luizsolda@uol.com.br
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