O “Monstro do Maracanã” e o “Pantera Negra” – conclusão

De manhã cedo, o táxi deixou o americano e o Manuel Joaquim na porta principal do Estádio da Luz. Disseram que desejavam falar com Eusébio, que ainda morava no Estádio. Os porteiros ligaram para o chefe deles e a entrada foi autorizada. Um funcionário os levou ao balneário e, minutos depois, Eusébio chegava com uma navalha e um pedaço de sabão. O americano ordenou ao Manuel Joaquim: “Traduza. Senhor Eusébio, conhece os produtos da Gillette?”. Ao ouvir a resposta negativa, o americano abriu a pasta e entregou a Eusébio um tubo de barbear e um aparelho de barba. Desatarraxou o aparelho e colocou, cuidadosamente, a lâmina nele. Manuel Joaquim traduziu: “Aperte o tubo e espalhe a espuma no rosto, depois faça a barba com o aparelho”.

O balneário, nessa altura, já tinha muitos curiosos. Mais curioso ainda estava Eusébio, mas, meio sem jeito, seguiu as orientações do Manuel Joaquim e começou a escanear o rosto. Segundos depois, exclamou: “Mas é uma maravilha, uma maravilha!”. Manuel Joaquim traduziu novamente: “Eusébio, você aceitaria tirar uma foto fazendo a barba?”. Eusébio, ressabiado, respondeu: “Se eu aceitar tirar a foto, vocês me dão um tubo e o aparelho?”. Manuel Joaquim, dessa vez, traduziu ao americano que caiu na gargalhada e ordenou: “Traduza. Eusébio, se você aceitar tirar uma foto fazendo a barba com a Gillette, vamos lhe dar tubos, aparelhos e lâminas até o final da sua vida. E você ainda vai ganhar X milhares de libras esterlinas”. Eusébio perguntou: “Quanto vale em escudos X milhares de libras”. Manuel Joaquim fez o cálculo de cabeça e lhe disse a quantia em escudos. Eusébio sentiu tremer-lhe as pernas, quase caiu ao chão. Era muito mais do que o salário de um ano que recebia do Benfica. Acordo fechado. No final da tarde estavam todos no mais famoso estúdio fotográfico de Lisboa, onde várias fotos foram tiradas. O dinheiro já depositado na conta de Eusébio. Na semana seguinte, todos os jornais da Europa e vários da África, apresentavam página inteira de um Eusébio sorridente fazendo a barba com Gillette.

Apesar de nunca mais ter sido campeão da Europa, Eusébio continuou a encantar o mundo com o seu futebol. Ajudou a Seleção Portuguesa, na sua primeira Copa do Mundo, a obter o 3º lugar na Inglaterra em 1966, recebendo a bola de ouro como artilheiro do certame. Fez 9. Jogou 15 anos no Benfica, marcando 727 gols e 715 jogos, mais de um gol por jogo. No total, marcou 896 gols em 914 partidas. Já veterano, deixou o Benfica indo ganhar uns dólares nos Estados Unidos, quando Pelé estava no Cosmos. No Toronto Metros, foi campeão norte-americano (até hoje, os clubes do Canadá, que não tem campeonato profissional, jogam o campeonato norte-americano). Como jogador da Seleção Portuguesa, só foi ultrapassado em número de gols marcados por Cristiano Ronaldo, em 2021, com o dobro de jogos. Ainda teve tempo de ser vice-ministro dos Esportes, quando Moçambique alcançou sua independência (a história fica para outro dia).

No ano 2000, em eleição realizada pela FIFA ficou entre os 10 maiores jogadores de futebol de todos os tempos, sinal que Bauer sabia o que dizia.

Quando voltou dos Estados Unidos e de Moçambique, foi contratado para as comissões técnicas do Benfica e da Seleção Portuguesa.

No domingo, 5 de janeiro de 2014, dia de jogo no Estádio da Luz, sua esposa e as duas filhas se preocuparam quando notaram que Eusébio continuava na cama. Dia de jogo do Benfica, ou da Seleção, era sagrado, Eusébio sempre era o primeiro a levantar. Foram até ele, tentaram acorda-lo e como ele não respondia, chamaram os médicos. Os doutores nada puderam fazer, vítima de uma insuficiência cardíaca, Eusébio faleceu poucos dias antes de completar 72 anos.

A Federação Portuguesa de Futebol suspendeu a rodada daquele domingo. O mundo do futebol, e também fora dele, se enlutou. O velório foi realizado no Estádio da Luz, com o acompanhamento de mais de um milhão de pessoas. A Fottball Association, federação inglesa, determinou que, em todos os jogos disputados naquela rodada, fosse observado um minuto de silêncio com a hasteamento da bandeira portuguesa à meio pau. No Estádio Santiago Bernabeu. houve um minuto de silêncio no jogo do Real Madrid, em que Cristiano Ronaldo chorava copiosamente.

No velório, com milhares e milhares de coroas de floras, destacavam-se as de Cristiano Ronaldo, Luís Figo, José Mourinho, Di Stéfano, Maradona e Pelé.

Antes mesmo do falecimento, já havia na entrada principal do Estádio da Luz uma estátua de Eusébio. A Segunda Circular, uma das principais avenidas de Lisboa, um ano depois da morte de Eusébio, passou a ser chamada de Avenida Eusébio da Silva Ferreira. Os restos mortais de Eusébio repousam no Panteão Nacional de Santa Engrácia, ao lado de Almeida Garret, Guerra Junqueiro, Óscar Carmona, Sidónio Pais, Humberto Delgado, Amália Rodrigues e Sophia de Mello Breyner.

Sobre Solda

Luiz Antonio Solda, Itararé (SP), 1952. Cartunista, poeta, publicitário reformado, fundador da Academia Paranaense de Letraset, nefelibata, taquifágico, soníloquo e taxidermista nas horas de folga. Há mais de 50 anos tenta viver em Curitiba. É autor do pleonasmo "Se não for divertido não tem graça". Contato: luizsolda@uol.com.br
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