Não se prende o insulto

Sementes do pensamento autoritário brotam perigosamente no Brasil

Não há direito absoluto, reza a melhor tradição da aplicação da lei. A faculdade de ir e vir pode ser limitada em nome do legítimo interesse coletivo de encarcerar quem ameace a integridade física de terceiros.

Quando se trata do direito à livre expressão, no entanto, a mesma linhagem democrática recomenda cautela com o que se lhe quer antepor pelo poder de Estado. Entre os direitos fundamentais da pessoa, o de manifestar-se sem peias é o que mais deveria se aproximar de uma faculdade absoluta.

Não se chegou a esse estágio por acaso. A sociedade se beneficia da diversidade de opiniões e de crítica. O indivíduo está mais protegido contra o arbítrio dos poderosos quando ninguém é investido da capacidade de punir a manifestação do pensamento com base em interpretações altamente subjetivas.

O humorista Danilo Gentili, do SBT, insultou em vídeo a deputada federal Maria do Rosário (PT-RS) e por isso, num desses juízos demasiado controversos, foi condenado em primeira instância a seis meses de prisão em regime semiaberto.

A injúria, pela qual foi sentenciado, figura nos chamados crimes contra a honra como o mais aberto à variação hermenêutica. Criminaliza ofensas à “dignidade” e ao “decoro”. O céu é o limite para enquadrar condutas nesses conceitos.

Por essa razão os tribunais superiores, com destaque para o Supremo Tribunal Federal, têm preferido o regime que maximaliza as prerrogativas do cidadão que se manifesta. Que o mau gosto, as ofensas e as críticas ácidas sejam tolerados pela lei penal até o limite em que não configurem clara ameaça a pessoas ou patrimônio.

Que os litígios judiciais, quando houver, sejam resolvidos pelos canais do direito de resposta e da reparação pecuniária, como ordena o artigo 5º da Carta. Não faz sentido, a esta altura da marcha civilizatória, mandar prender alguém, em avaliação intrinsecamente relativa, pelo fato de sua manifestação ter sido considerada indecorosa.

Germinadas nas estufas de reiteração das redes sociais, sementes do pensamento autoritário brotam perigosamente no Brasil. O desejo de eliminar, de prender e de vingar-se dos que pensam ou agem em desacordo com os códigos do grupo tornou-se um lugar-comum.

Os agentes incumbidos de aplicar a lei não podem atirar-se nesse campeonato de truculências. O melhor remédio para o insulto é a crítica, é mudar o canal, é o dano à reputação do autor. Não é a prisão.

Sobre Solda

Luiz Antonio Solda, Itararé (SP), 1952. Cartunista, poeta, publicitário reformado, fundador da Academia Paranaense de Letraset, nefelibata, taquifágico, soníloquo e taxidermista nas horas de folga. Há mais de 50 anos tenta viver em Curitiba. É autor do pleonasmo "Se não for divertido não tem graça". Contato: luizsolda@uol.com.br
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