No caso yanomami, desafio da PF é provar dolo de Bolsonaro em genocídio

Nos próximos meses, uma pergunta latejará no noticiário: Pode Bolsonaro ser fisgado numa ação penal por genocídio? Na CPI da Covid, a ideia de vincular o capitão a um genocídio produzia ebulição nas redes sociais. Mas a tipificação desse crime exige um alvo específico —como os judeus para os nazistas ou os armênios para os turcos. Agora a coisa é diferente.

Nos últimos quatro anos, o governo tomou o partido dos garimpeiros ilegais. Nesta quarta-feira, a Polícia Federal abriu inquérito para investigar a prática de crimes como omissão de socorro, desvios de verbas destinadas à saúde indígena e, para desassossego de Bolsonaro, genocídio.

No Brasil, o genocídio é definido na lei 2.889, de 1956. O artigo 1º anota que genocida é quem teve “a intenção de destruir, no todo ou em parte, grupo nacional, étnico, racial ou religioso”. Na pandemia, o negacionismo de Bolsonaro produziu mortes indiscriminadamente. Os yanomami, porém, se encaixam na definição legal como alvo individualizado.

Portanto, a degradação letal a que foram submetidos os indígenas pode, sim, configurar o crime de genocídio. A culpa pode ser atribuída por ação e também por omissão. Proliferam evidências de que as digitais de Bolsonaro estão impressas no flagelo yanomami. A exemplo do que fez em outros casos, o capitão produziu provas contra si mesmo. Mas será necessário demonstrar que houve dolo, má-fé. Esse é o principal desafio da Polícia Federal.

Faltam aos yanomamis comida, remédio, água limpa e proteção contra criminosos ambientais. Lula deflagrou no final de semana uma operação interministerial para socorrer os indígenas. Bolsonaro classificou a crise humanitária de “mais uma farsa da esquerda”. Disse que, em maio de 2021, numa visita a Roraima, não ouviu dos indígenas senão um pedido por “internet”. Lamentou que esteja empacado no Congresso projeto que abre reservas dos patrícios originários para o agronegócio.

Sempre que Bolsonaro se apropria de uma notícia, os fatos se perdem para sempre. Mas certas realidades, por eloquentes, não deixam de existir apenas porque os ignorantes as ignoram. No momento, pouca coisa é tão palpável quanto o o sofrimento inflingido aos yanomami. A assistência governamental aos indígenas jamais foi um primor. Mas o descaso ganhou sob Bolsonaro a aparência de escândalo. O capitão, como de hábito, diz o que bem quer. É preciso que investigadores e magistrados comecem a lhe dizer o que ele não deseja ouvir.

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do UOL

Sobre Solda

Luiz Antonio Solda, Itararé (SP), 1952. Cartunista, poeta, publicitário reformado, fundador da Academia Paranaense de Letraset, nefelibata, taquifágico, soníloquo e taxidermista nas horas de folga. Há mais de 50 anos tenta viver em Curitiba. É autor do pleonasmo "Se não for divertido não tem graça". Contato: luizsolda@uol.com.br
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