O C(*) DA QUESTÃO

Eu sou superafavor do caráter anal. O c(*) é uma coisa muito boa na vida das pessoas. E o c(*), sobretudo, é laico. É das coisas mais laicas que há nesse mundo. Nesse país em que tudo está ultraneofundamentalista, neopentecostal, neoliberal, o c(*) e precioso. Então, a gente tem que libertar o c(*). E, esses caras que têm essas práticas doidas, tem esse tipo de pensamento avarento, nunca libertaram justamente o c(*).

O c(*) é um assunto supersério. Podemos estudá-lo com seriedade. Um dos maiores antropólogos brasileiros, que é o Eduardo Viveiros de Castro, tem um texto sobre o c(*). Que se chama ” Quem tem c(*), tem medo”. Ele faz uma análise de tribos de indígenas quem contam mitos sobre o c(*) e a importância do c(*) na vida dessas pessoas. Então vamos tratar o c(*) com muito respeito, muito cuidado. E, sobretudo, laicidade antropológica, que, acho, há de nos ajudar a superar esse momento.”

(Márcia Tiburi, filósofa)

*****

– Viu?

– Interessante o vídeo…

– Interessantíssimo! Estão querendo libertar todos os c(*)s .

– Sei não, essa conversinha aí de liberação já existe há séculos.

– Mas, fala a verdade, não está mais consistente a coisa? Falaram de tratar a gente com cuidado, respeito.

– Tem quem trate já. Mudou alguma coisa?

– É, mas vendo por outro lado, pensa um pouco: agora é uma filósofa famosa falando do nosso gênero. Não vai dar uma chance pro assunto?

– Já até ME dei e continuo sendo visto como um c(*).

– Ah, amor, deixa de ser reacionário!

– Fazer o quê, querida?

– Levantar esse traseiro do sofá e se liberar. Anda, seu cuzão, vai!

– Vai você!

– Eu? Ah, vai tomar em você, vai!

O C(*) E O PIS

Era 50+. Isto significava que podia sacar o PIS. Melhor então fazer a coisa logo, as regras mudam tão rápido na Botocúndia.

Baixou na Caixa Econômica munido dos documentos solicitados: número do PIS e documento com foto.

Depois de uma hora na fila veio o seu lugar ao PASEP. A atendente olhou na tela do computador, mirou de novo, ajeitou o bifocal. Aí fez aquela pergunta do Show do Milhão em que o cara perde todas fichas:

– Como é o nome de sua mãe?

– Arací – disse ele.

– Olha aqui está constando que é Aracu…

– Aracu? Mas o quê é isso? – rugiu, indignado.

– Sim, tem um c(*), não um ci, senhor.

Risos abafados ecoaram pela agência bancária. A atendente deu o veredito:

– Por causa disso, não vai dar pra liberar seu dinheiro no automático. Vou precisar da Carteira de Trabalho pra poder alterar.

Após uma hora de fila, sem wi-fi, ninguém fica calmo. O sujeito começou a reclamar loucamente, foi logo berrando no recinto. Veio a gerente.

– O que houve, Tamires?

– Em vez de ci tem um c(*) no nome da mãe desse senhor.

Foi a gota d’água. O homem se alterou pra valer:

– Não vem pondo c(*) no nome da minha mãe, dona! Ou vai todo mundo levar no rabo aqui!

Serviram-lhe café, às pressas, numa sala reservada. A gerente ligou até o ar.

O PIS foi liberado na sequência. Agora, a correção do c(*) da mãe no sistema, só daqui a 20 dias úteis.

Sobre Solda

Luiz Antonio Solda, Itararé (SP), 1952. Cartunista, poeta, publicitário reformado, fundador da Academia Paranaense de Letraset, nefelibata, taquifágico, soníloquo e taxidermista nas horas de folga. Há mais de 50 anos tenta viver em Curitiba. É autor do pleonasmo "Se não for divertido não tem graça". Contato: luizsolda@uol.com.br
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