Origens dos EUA, o Coringa e o ocaso da supremacia branca

A consciência política do povo já superou o mito da supremacia branca, sua lealdade aos opressores e ao capital internacional e suas demais mentiras

Nas raízes do capitalismo encontram-se não apenas a escravidão e a supremacia branca, mas também o ‘ethos’ do gangster. Gerald Horne

O filme ‘Coringa’ apresenta um fenômeno contemporâneo presente em vários países, mas que só pode ser compreendido em sua complexidade através da história das origens dos EUA.

O historiador Afro-Americano Gerald Horne argumenta no livro ‘The Counter- Revolution of 1776: Slave Resistance and the origins of the United States of America’ que o movimento pela independência dos EUA nasceu, por um lado, do receio das classes ricas da colônia de um crescente movimento abolicionista na metrópole, a Inglaterra, que poderia acabar com a base de sua riqueza – os escravos. Por outro lado, a Inglaterra também impedia o avanço dos colonos para o oeste, que deveria permanecer como território indígena. Para Horne, a guerra pela independência dos EUA  foi em parte uma ‘contra-revolução’ liderada pelos ‘pais fundadores’ com o objetivo de preservar o seu direito de escravizar outros povos, sobretudo africanos, e de continuar a expandir a jovem nação para o oeste, roubando mais terras dos povos indígenas onde implantar mais trabalho escravo.

Em um outro livro, ‘The Apocalypse of Settler Colonialism: The Roots of Slavery, White Supremacy and Capitalism in 17th Century North America and the Caribbean’, Horne resumiu assim este processo:

«(…) em 1776, eles (os pais fundadores ou a elite econômica da colônia) deram o último golpe e exibiram o seu novo patriotismo ao expulsar Londres (o poder colonial) das colônias ao sul do Canadá, convencendo os iludidos e ingênuos – até hoje – de que esta pura manobra para se apossar de terras, escravos e lucro tenha sido de alguma maneira um grande salto adiante para a humanidade.»

Neste contexto ocorreu um outro processo de relevância fundamental para os dias de hoje: o nascimento do poderio militar dos EUA. O exército dos EUA teve sua origem na guerra pela independência contra os britânicos, que foi também uma guerra contra a imensa maioria de escravos africanos que se aliaram ao Império Britânico – que prometeu a sua liberdade – e contra os muitos povos indígenas que também se aliaram aos britânicos – conscientes do que viria à seguir para eles assim que a nova república se tornasse independente. E com efeito, logo após a vitória contra os britânicos e a paz estabelecida, o recém criado exército dos EUA  engajou-se em sua nova tarefa: a guerra genocida contra os povos indígenas para garantir a expansão territorial da nova república.

Em ‘The First Way of War: American War Making on the frontier, 1607-1814’ outro historiador, John Grenier, argumentou como as forças armadas dos EUA foram forjadas nas guerras genocidas contras os povos indígenas norte-americanos, onde praticamente todos os meios de destruição eram permitidos, toda a brutalidade era possível e não havia distinções entre populações civis e combatentes. Um dos métodos utilizados pelas forças armadas dos EUA contra os povos indígenas foi  o da destruição de suas plantações e reservas alimentares, levando à derrota pela fome, método muito utilizado e aperfeiçoado décadas depois pelos EUA na guerra do Vietnã, fazendo com que os EUA sejam talvez o único país do mundo a especializar-se na guerra contra o Reino Vegetal.  Na verdade, uma linha histórica ininterrupta leva das guerras contra os povos indígenas  até a guerra do Vietnã. Os embargos econômicos mais recentes contra Cuba e Venezuela são apenas uma outra forma deste método, os objetivos continuam os mesmos – causar a fome, punir as populações civis para submete-las – e estiveram presentes desde a origem do poderio militar norte-americano. A exterminação dos povos indígenas era algo tão central na política da época que ter participado das campanhas militares contra os indígenas era praticamente um pré-requisito para tornar-se candidato à Presidência da Nova República. Andrew Jackon, sétimo presidente dos EUA, talvez seja o que melhor represente o que era de fato este novo país. Jackson era um rico proprietário de terras e escravos,  liderou tropas durante a Guerra contra o povo Creek, que levou à conquista de muitas terras hoje pertencentes aos estados de Alabama e Geórgia. Ele também liderou as tropas dos EUA na guerra contra o povo Seminole, entre outras.

Na Presidência, Jackson continuou sua cruzada contra os povos indígenas. Há um interessante episódio na conhecida série de TV  ‘House of Cards” em que representantes indígenas visitam a Casa Branca. Como parte dos preparativos da visita, a equipe da Casa Branca retira o retrato de Andrew Jackson da parede, aparentemente para não ofender os indígenas – um raro momento de lucidez em tais meios. E foram os seguidores de Andrew Jackson que fundaram o Partido Democrata dos EUA…

Sobre Solda

Luiz Antonio Solda, Itararé (SP), 1952. Cartunista, poeta, publicitário reformado, fundador da Academia Paranaense de Letraset, nefelibata, taquifágico, soníloquo e taxidermista nas horas de folga. Há mais de 50 anos tenta viver em Curitiba. É autor do pleonasmo "Se não for divertido não tem graça". Contato: luizsolda@uol.com.br
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