Trump e Bolsonaro, os idos de janeiro

Ambos são capazes de imaginar um golpe de Estado, mas realizá-lo de uma forma tão grosseira que podem acabar na cadeia.

Há semelhança nas derrotas de Trump e Bolsonaro. Ambos questionaram antecipadamente o processo eleitoral. Trump implicou com o voto impresso; Bolsonaro estigmatizou as urnas eletrônicas. Ambos pressentiam a derrota e armavam o pulo do gato.

Na invasão do Capitólio no 6 de Janeiro, muitos acreditavam que a eleição de Biden fora um roubo. Em Brasília, no 8 de Janeiro, muitos também supunham que haviam sido iludidos pelas urnas eletrônicas.

Percebo agora que a hipótese de uma revolta popular era apenas o lance de um jogo mais complexo. Trump pretendia usar falsos delegados e resultados falsos para ser adotados pelo seu vice, Mike Pence, na sessão do Capitólio. Não funcionou.

A invasão do Congresso, do Palácio do Planalto e do STF também não era para ser um episódio isolado. Esperava-se uma interferência das Forças Armadas, por meio de uma operação de GLO (Garantia da Lei e da Ordem). Também não funcionou.

Trump e Bolsonaro já vinham de uma vitória semelhante. Ambos criticavam o sistema político, se colocavam como pessoas comuns, atacavam a imprensa e a academia. Ambos fingiam defender valores tradicionais, embora suas vidas desmentissem essa adesão.

No caso de Trump, o salto foi evidente. Quando pensou em disputar as eleições com Pat Buchanan, zombava muito dele porque era antinegro e antigay. Apesar de ser um milionário de gosto duvidoso, que construía prédios com encanamento de ouro, Trump vivia entre artistas e milionários e, de uma certa forma, compartilhava valores com eles. Basta ver a sucessão de mulheres, modelos, com quem foi se casando ao longo do tempo.

Assistindo a um documentário sobre a vida de Trump, creio que ele teve uma grande intuição em estudar e tentar imitar a trajetória de Jesse Ventura, que foi governador de Minnesota. Ex-atleta de luta livre, veterano do Vietnã, musculoso e calvo, Ventura representou o papel do homem comum que dizia algumas bobagens, mas era sincero. Além disso, hostilizava a imprensa por colocá-la na mesma prateleira de políticos e intelectuais. Seu governo tentou manter uma velha lei de Minnesota que proibia sexo oral e anal e estigmatizava gays.

Trump mandou assessores e foi pessoalmente estudar o sucesso de Ventura entre os americanos que mais tarde ele arrebataria com críticas à globalização e o programa de tornar a América grande de novo.

Bolsonaro talvez nem conheça a trajetória de Jesse Ventura. Ele, por suas características, não precisava da observação metódica de Trump para representar bem o papel.

Ventura, conhecido também como O Corpo (1m93 e 111kg), foi eleito em 1998. Trump sempre ameaçou entrar no processo eleitoral. Mas afirmou que só entraria quando tivesse certeza da vitória. Foi bastante aplicado, pesquisou corretamente e entrou na disputa na hora certa.

O que me interessa estudar é como essa fórmula do homem sincero, que despreza políticos, hostiliza a imprensa, duvida da ciência e condena minorias ainda tem potencial de vitória. Algo ficou também claro na experiência de Trump e Bolsonaro: a fórmula é suficiente para a vitória, mas pouco pode fazer para manter a confiança da maioria. Eles intuíram a própria derrota, tanto que prepararam o pulo do gato, por meio de uma virada de mesa.

Virar a mesa em política sempre foi complicado na História. Assim como o “homem sincero contra tudo que está aí” não teve habilidade para conduzir um governo que se prolongue no tempo, por meio de sucessivas vitórias, também não tem habilidade para dar o golpe. Trump e Bolsonaro são políticos toscos, capazes de vencer, mas não de se prolongar no poder. São capazes de imaginar um golpe de Estado, mas realizá-lo de uma forma tão grosseira que podem acabar na cadeia.

O destino dos dois se separa no leito das diferentes legislações nacionais. Bolsonaro é carta fora do jogo, pelo menos nas próximas três eleições. Trump ainda pode concorrer e vencer. O fato de ser algo provável, na mais celebrada democracia do mundo, mostra apenas a dimensão do buraco em que nos metemos.

Sobre Solda

Luiz Antonio Solda, Itararé (SP), 1952. Cartunista, poeta, publicitário reformado, fundador da Academia Paranaense de Letraset, nefelibata, taquifágico, soníloquo e taxidermista nas horas de folga. Há mais de 50 anos tenta viver em Curitiba. É autor do pleonasmo "Se não for divertido não tem graça". Contato: luizsolda@uol.com.br
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