O home office é a morte do tesão

A convivência conflituosa provocou o aumento de divórcios na pandemia

Apesar de ter entrevistado centenas de homens nos últimos 30 anos, confesso que preciso enfrentar alguns obstáculos para escrever mais sobre a sexualidade masculina. Os homens, especialmente os de mais idade, foram educados para não falarem sobre sentimentos, sofrimentos, medos, vergonhas e inseguranças. Se, muitas vezes, não falam sobre essas questões nem com os amigos e cônjuges, por que iriam se abrir com uma antropóloga?

Mas, para minha sorte, alguns gostam e até precisam falar sobre questões mais íntimas. Só para dar um exemplo: acabei de fazer uma pesquisa sobre o significado do carro na cultura brasileira. Entrevistei 20 homens que falaram mais de duas horas sobre a paixão pelo automóvel. Nas nossas conversas, eles falaram, também, sobre o impacto provocado pela pandemia e pelo home office em suas vidas amorosas e sexuais.

“O home office é a morte do tesão“, disse um músico de 59 anos.

“Comecei a namorar uma psicóloga no fim de 2019. Em março de 2020 veio a pandemia. Como não dava para ficar indo e voltando da casa dela, ela me convidou para morar com ela. Imagine dois desconhecidos, convivendo 24 horas por dia, em um apartamento de quarto e sala? A sala virou seu local de trabalho e ela passava o dia inteiro dando consultas remotas. Ela falava muito alto e reclamava que meu violão atrapalhava seu trabalho.”

Apesar das brigas e discussões, os dois “ainda” estão juntos.

“Foi muito conflituosa a convivência, mas foi também um aprendizado. Acabamos construindo uma intimidade e um companheirismo que nunca tive com minha ex-mulher em um casamento de 20 anos. Passamos por situações dramáticas. Ela perdeu o pai com Covid, entrou na menopausa, teve depressão. Eu fiquei sem dinheiro porque todas as aulas que eu dava foram canceladas, ela bancou todas as despesas da casa.”

O tesão dos namorados “foi para as cucuias”.

“Nos três primeiros meses de namoro estávamos no maior love, transando todos os dias, às vezes mais de uma vez por dia. Com a pandemia, a lua de mel acabou. A pandemia somada ao home office foi a maior prova de fogo do tesão. Quase todos os casais que conheço se separaram. Acho que quem não se separou nem perdeu o tesão na pandemia tem chance de ficar junto até morrer.”

Em 2021, o número de divórcios no Brasil bateu o recorde. Como contou um sociólogo de 65 anos, a intimidade excessiva dentro de casa provocou brigas, discussões e queixas que antes não existiam.

“Antes da pandemia, o pior momento do meu dia era ir e voltar do trabalho. Desperdiçava horas da minha vida em congestionamentos infernais. Em casa, sou muito mais produtivo, concentrado e criativo, não perco tempo com reuniões inúteis. Mas conviver 24 horas por dia com minha mulher foi o fim do respeito, da compreensão e do sexo.”

Depois de 40 anos de um casamento “feliz até a pandemia”, ele se divorciou.

“Fiquei desesperado com a pandemia, estressado, exausto, com medo de perder o emprego, com falta de grana e problemas de saúde. E, apesar da pandemia e do pandemônio, das centenas de milhares de mortes, inclusive de amigos e familiares, minha mulher reclamava o tempo inteiro que eu não queria mais transar. Ela não compreendia a situação, ficava me cobrando o tempo todo, desconfiada que eu estivesse sendo infiel, não aceitava que um homem da minha idade pode não querer mais sexo. Me xingava de brocha, impotente, inútil, queria que eu tomasse Viagra.”

Para ele, algumas mulheres, mesmo inconscientemente, reproduzem e fortalecem o machismo.

“Nem todos os homens querem ser imbrocháveis. Homens também têm o direito de não querer mais sexo. Podemos ter outras prioridades, projetos e prazeres.”

Como o músico e o sociólogo, outros homens falaram sobre as vantagens e desvantagens de trabalhar em casa. E, também para eles, a pandemia foi — e ainda está sendo em alguns casos— uma prova de fogo para os casamentos. Mas, para o mal ou para o bem, o home office veio para ficar. Só não tenho certeza se o tesão vai voltar.

Sobre Solda

Luiz Antonio Solda, Itararé (SP), 1952. Cartunista, poeta, publicitário reformado, fundador da Academia Paranaense de Letraset, nefelibata, taquifágico, soníloquo e taxidermista nas horas de folga. Há mais de 50 anos tenta viver em Curitiba. É autor do pleonasmo "Se não for divertido não tem graça". Contato: luizsolda@uol.com.br
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