O homem que só queria ser médico

Relendo “O Essencial de JK”, de Ronaldo Costa Couto, edição Planeta, de 2013, dei-me conta ou relembrei, com imensa saudade, que o Brasil já foi governado por um ser humano. Mais do que isso, um ser humano com qualidades e defeitos, mas lúcido, amável, cordial e bem intencionado, que objetivava sobretudo o progresso e o amadurecimento do país e o bem-estar de sua gente. Juscelino Kubitschek de Oliveira, nascido em Diamantina, antigo Arraial do Tijuco, em Minas Gerais, filho de um garimpeiro/caixeiro-viajante, que faleceu quando ele tinha apenas três anos, e de uma professora primária, foi um dos dois únicos estadistas que o Brasil teve – o outro foi Getúlio Vargas. JK era um visionário, que tornava ideias realidade. Nasceu pobre, andou de pé no chão até a adolescência, mas nunca perdeu o rumo.

Quando aprendeu as primeiras letras com a mãe, Juscelino tinha apenas um sonho distante: ser médico. Foi. Mas foi também muito além: como bom mineiro, com habilidade e superando os obstáculos, foi prefeito de Belo Horizonte, governador de Minas Gerais e presidente da República do Brasil. Como prefeito, saneou, modernizou e espargiu a capital mineira; como governador, sacudiu as montanhas, construiu escolas e estradas, iniciou a industrialização do Estado e tirou-o daquele marasmo de patrimônio histórico; como presidente, mudou a trajetória do país e avivou na população o orgulho de ser brasileiro, abriu estradas, construiu ferrovias, multiplicou a rede elétrica, inaugurou usinas e siderúrgicas, industrializou o país, criou a indústria automobilística nacional e ergueu no Planalto Central uma nova capital, expandindo o Brasil, até então circunscrito ao Sul-Sudeste e zona litorânea. Se Brasília, hoje, não é mais nem de perto, a cidade sonhada por Juscelino, a culpa certamente não é dele.

JK uniu o Brasil. Propagou alegria, otimismo e confiança. Sem perder jamais o sorriso, a cordialidade, o charme e o poder de sedução. Mas foi, acima de tudo, um democrata. Dizia que Deus o poupara do sentimento de medo. Por certo, poupara-o também do ódio. Sofreu três tentativas de golpe, uma antes mesmo de assumir a presidência. Superou todas e ainda por cima – suprema glória! – anistiou os golpistas.

“Sempre busquei inspirar-me, durante toda a minha vida de homem público, na maneira cordial de nossa gente, e estou certo de que nunca deixei de interpretá-la quando excluí de meu espírito o rancor e a represália, buscando construir em vez de destruir” – diria no discurso de lançamento de sua candidatura a novo mandato presidencial, no início de 1964, pouco antes do golpe militar.

JK saiu carregado do Palácio do Planalto, com a maior popularidade já registrada por um homem público em toda a história do Brasil. Tinha volta marcada para cinco anos depois, o que teria inevitavelmente acontecido não fossem os acidentes de percurso que se seguiram.

Em 30 anos de vida pública, Juscelino subiu ao céu e desceu ao inferno. Foi cortejado por reis e rainhas para depois ser preso, humilhado e condenado ao exílio e à solidão pelos generais e coronéis que se assenhoraram do poder. Seu crime: ser detentor do carinho e do respeito do povo, numa época em que carinho e respeito haviam sido banidos do cenário nacional. Jamais se provou qualquer irregularidade por ele praticada no exercício do poder.

Said Farah, que fora ministro-chefe da Secretaria de Comunicação Social do presidente João Figueiredo, o derradeiro ditador de 64, conta que certa vez ouviu dele elogios à operosidade de Juscelino e da sua clarividência em matéria de desenvolvimento social. Teria também mencionado a relativa pobreza de JK. Quis saber como o então presidente sabia. Figueiredo respondeu que ele próprio fizera o inquérito sobre a vida passada de Juscelino e nada de sério encontrara a desabonar a honradez do ex-presidente.

– Por que, então, foi cassado – quis saber Farah.

Figueiredo, com a franqueza habitual: “Porque Costa e Silva queria”.

A conclusão de Farah foi óbvia: “A cassação de Juscelino visava a impedir que ele viesse a concorrer à Presidência ou se mantivesse ativo politicamente, servindo como elemento politizador dos que desejavam o poder restituído à sociedade civil”.

As novas gerações precisam conhecer mais de perto a história e a obra desse grande brasileiro, um homem que acreditava no Brasil como uma grande nação, livre e independente. E transmitiu essa crença ao povo brasileiro. Diz-se que “a vida só é digna de ser vivida quando se faz algo pela vida, em vida”. Juscelino Kubitschek de Oliveira fez. E deixou saudade.

Sobre Solda

Luiz Antonio Solda, Itararé (SP), 1952. Cartunista, poeta, publicitário reformado, fundador da Academia Paranaense de Letraset, nefelibata, taquifágico, soníloquo e taxidermista nas horas de folga. Há mais de 50 anos tenta viver em Curitiba. É autor do pleonasmo "Se não for divertido não tem graça". Contato: luizsolda@uol.com.br
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