O inglês do Tarzan

Apesar do inglês abundante no nosso dia a dia, somos tão monoglotas quanto os russos

Há dias, quando o ator Peter Fonda morreu, um veículo publicou uma declaração de sua irmã, Jane Fonda. Ela dizia estar arrasada com a morte de seu “irmãozinho de coração doce”. Não sou diabético, mas essa imagem pode ter alterado meu nível de glicose, e só um exercício intelectual me levou a concluir que Jane devia estar se referindo a seu “little sweetheart brother”  —seu “irmãozinho querido” ou, amorosamente, “namoradinho”. 

Pérolas equivalentes, frequentes no noticiário, são “plant” (fábrica) por planta, “library” (biblioteca) por livraria, “argument” (discussão) por argumento, “appointment” (encontro) por apontamento e “realize” (concluir) por realizar.

Os erros, hoje, vêm até nos melhores livros. “We’re in business” (agora vai ou vamos nessa) se tornou “estamos no negócio”. “My gentleman friend” (o “coronel” ou o “senhor que me ajuda”) passou a ser “meu cavalheiro amigo”. E “we were drinking buddies” (nós éramos colegas de copo) transmutou-se no hilário “estávamos bebendo umas Buddies”.

Mas estamos avançando rumo à condição de 51º estado americano. A velha “vaquinha” tornou-se “crowdfunding”. Aleatório é “randômico”. Gostar de alguém é “dar um match”. Estar a fim é “ter um crush”. E uma palavra já incorporada ao léxico, “delivery”, não se limita mais à entrega em domicílio da pizza pelo motoboy. Assim como em inglês, estendeu-se —em português— a cumprir ou deixar de cumprir alguma coisa: “Fulano era uma grande promessa, mas não entregou o que se esperava dele”.

Pela abundância de inglês em nossas placas, fachadas e camisetas, era como se o falássemos tão bem quanto os alemães. Que nada. Pela avaliação internacional, somos tão monoglotas quanto os russos.  E, se o Senado ratificar Eduardo Bolsonaro, teremos em Washington um embaixador que, como diria o inesquecível Telmo Martino, aprendeu inglês com… Tarzan.

Sobre Solda

Luiz Antonio Solda, Itararé (SP), 1952. Cartunista, poeta, publicitário reformado, fundador da Academia Paranaense de Letraset, nefelibata, taquifágico, soníloquo e taxidermista nas horas de folga. Há mais de 50 anos tenta viver em Curitiba. É autor do pleonasmo "Se não for divertido não tem graça". Contato: luizsolda@uol.com.br
Esta entrada foi publicada em Ruy Castro - Folha de São Paulo e marcada com a tag , , . Adicione o link permanente aos seus favoritos.
Compartilhe Facebook Twitter

Deixe um comentário

Esse site utiliza o Akismet para reduzir spam. Aprenda como seus dados de comentários são processados.