O inimigo favorito

Cada governo elege o seu inimigo favorito, no qual descarrega a sua ira e os seus problemas. O de Bolsonaro era o ministro Alexandre de Moraes, presidente do Tribunal Superior Eleitoral; o de Lula é Roberto Campos Neto, presidente do Banco Central. O empecilho é que ambos são imexíveis. Moraes ocupa cargo vitalício no STF, e Campos tem mandato até dezembro de 2024.

O conflito entre o capitão fugitivo e o ministro Moraes é de conhecimento público e cresceu às vésperas da eleição presidencial do ano passado e logo depois. Na ensandecida ânsia de permanecer alojado no Palácio do Planalto, Jair creditou a sua derrota ao sistema eleitoral e ao seu presidente. Deu no que deu: teve de acoitar-se no balneário da Florida, nos EUA de Trump, enquanto seus seguidores/terroristas/vândalos encontram-se na cadeia ou à espera da ordem de prisão.

Luiz Inácio acaba de chegar à presidência pela terceira vez. Está cheio de problemas pela frente. Além do genocídio yanomami, tem o Bolsa Família, o desequilíbrio das contas públicas, a base parlamentar, a divisão da sociedade, a relação com as Forças Armadas e o desprestígio internacional do Brasil, para citar apenas alguns. Mas ele preferiu encrencar com o Banco Central, órgão do próprio governo. Não se conforma com a manutenção elevada da taxa Selic, comandada por Campos Neto.

Para quem não sabe, a taxa Selic é o principal instrumento de política monetária utilizado para o controle da inflação. Em todo o mundo (ou em quase todo), o Banco Central é um órgão independente, com o propósito de escapar das ingerências políticas. Lula e o seu PT já defenderam essa autonomia, e até sugeriram, sem resultado, a sua inclusão na carta constitucional de 1988, mas agora parecem ter mudado de opinião. Quer dizer, tal qual o desequilibrado capitão atribuiu o seu fracasso eleitoral ao TSE, Luiz Inácio quer imputar ao Bacen o eventual descumprimento de suas promessas de campanha.

Todo mundo sabia que seria impossível, já nos primeiros momentos do novo governo, atingir índices de crescimento econômico iguais aos de seus mandatos anteriores. Menos Lula. Quer dizer, saber, sabia, mas faz questão de dizer que não.

Isso não é bom, companheiro. Dá munição para o inimigo. Não sei se Roberto Campos Neto é o nome ideal para a direção do Banco Central. Mas, segundo a opinião geral de especialistas, inclusive de apoiadores do atual governo, ele tem feito o seu trabalho – muito mais técnico do que político – com correção. Pouco importa se é neto de Bob Field (como lembrou, dias atrás, o colega articulista Paulo Roberto Ferreira Motta), figura de triste memória, que, depois de servir-se dos governos Vargas, Kubitschek e Goulart, foi servir a ditadura fardada. Ou se foi nomeado por Bolsonaro, a pedido de Paulo Guedes. Então, companheiro presidente, se o homem está cumprindo o dever dele, paciência. Se você tem estômago para digerir um Arthur Lira, o que é um RCN?

No comando do Copom (Comitê de Política Monetária), Campos Neto fez a taxa Selic baixar a 2% em 2020. Aí chegou a pandemia e a alta dos preços, forçando o aperto monetário. Em um ano e meio, a partir de fevereiro de 2021, a taxa Selic subiu mais de mil pontos-base, alcançando 13,5% ano no segundo semestre de 2022. Baixá-la agora, artificialmente ou à força, seria um péssimo negócio.

A baixa, segundo os entendidos, é questão de tempo. E de cuidado. Para o tiro não acertar no seu pé, prezado Luiz Inácio.

Sobre Solda

Luiz Antonio Solda, Itararé (SP), 1952. Cartunista, poeta, publicitário reformado, fundador da Academia Paranaense de Letraset, nefelibata, taquifágico, soníloquo e taxidermista nas horas de folga. Há mais de 50 anos tenta viver em Curitiba. É autor do pleonasmo "Se não for divertido não tem graça". Contato: luizsolda@uol.com.br
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