O mais recente desvario do capitão

Mais de 16 milhões e setecentos mil brasileiros infectados pelo coronavírus, mais de 470 mil mortes, UTIs e enfermarias dos hospitais entupidos de doentes, mais de 2.000 na lista de espera, carência de vacinas, falta de medicamentos e de equipamento, atendentes em desespero – e eis que o diligente, generoso e benevolente Jair Messias Bolsonaro decide realizar no Brasil a Copa América de futebol, que a Colombia e a Argentina não quiseram. Mas o bravo capitão-presidente reunirá em território nacional dez seleções do continente, cada uma com cerca de 65 pessoas, mais jornalistas, radialistas, árbitros, agregados e aficionados. Um mundão de gente que poderá trazer para cá as novas cepas da Covid-19 ou levar as nossas para o resto do mundo.

Como pode um sujeito desses continuar solto, sem camisa de força e sem focinheira?!

No sábado passado, o povo saiu, enfim, às ruas para dizer o pensa de s. exª. Enfrentou a pandemia, usou máscara, mas, infelizmente não pôde evitar a aglomeração. Ela se tornou imprescindível. Ele precisava soltar a voz e dizer aos genocidas de Brasília que basta. Manifestações ocorreram em todas as 27 capitais brasileiras. Em todas, destacou-se a crítica à gestão federal da pandemia e exigiu-se maior celeridade na vacinação e o impeachment do capitão-presidente.

Estava mais do que na hora de a maioria oculta e silenciosa mostrar a cara e pôr a boca no trombone. Chega de canalhice, de patifes e oportunistas que exploram a população e ditam regras como se fossem donos do Brasil. Aí, apesar da pandemia, o povo terá toda a razão de sair às ruas e caminhar por um país melhor e mais justo. Podem me chamar que eu vou junto.

Há horas em que o povo fica bonito, deixa de ser gado marcado, deixa de ser ignorante iludido, para exigir os seus direitos de cidadão e marchar entoando o velho Geraldo Vandré:

“Caminhando e cantando / E seguindo a canção / Somos todos iguais / Braços dados ou não / Nas escolas, nas ruas / Campos, construções / Caminhando e cantando / E seguindo a canção / Vem, vamos embora / Que esperar não é saber / Quem sabe faz a hora / Não espera acontecer / Pelos campos há fome / Em grandes plantações / Pelas ruas marchando / Indecisos cordões / Ainda fazem da flor / Seu mais forte refrão / E acreditam nas flores / Vencendo o canhão… / Os amores na mente / As flores no chão / A certeza na frente / A história na mão / Caminhando e cantando / E seguindo a canção / Aprendendo e ensinando / Uma nova lição / Vem, vamos embora / Que esperar não é saber / Quem sabe faz a hora / Não espera acontecer…

No caso da Copa América, o interesse das patéticas Conmebol (Confederação Sul-Americana de Futebol, com a cumplicidade da Confederação Brasileira de Futebol (CBF), é exclusivamente financeiro. Pouco lhes interessa a vida humana, a pandemia e a tragédia biológica que vivemos. A não realização do torneio, segundo os especialistas, causará um “prejuízo” milionário aos “cartolas”.

Bolsonaro está de olho na reeleição de 22 e, tresloucado como é, acha que a realização da Copa América no Brasil lhe garantirá votos. Era a mesma opinião de seu figadal adversário, o governador paulista João Dória. Ao saber da decisão da Conmebol, Dória imediatamente colocou São Paulo à disposição da CBF, não obstante tenha havido no Estado, nos últimos dias, um aumento da incidência de casos da Covid-19, de 370 para 410 por 100 mil. Depois, mudou de ideia, convencido por alguém de bom-senso do Palácio Bandeirantes.

A Conmebol e a CBF são entidades privadas. O que Bolsonaro têm a ver com isso?!

Claro que o assunto iria parar no Supremo Tribunal Federal, que agora regula e decide tudo o que acontece neste país. Ali, o notório ministro Ricardo Lewandowski foi sorteado relator na questão. O que acontecerá, só Deus sabe.

Sobre Solda

Luiz Antonio Solda, Itararé (SP), 1952. Cartunista, poeta, publicitário reformado, fundador da Academia Paranaense de Letraset, nefelibata, taquifágico, soníloquo e taxidermista nas horas de folga. Há mais de 50 anos tenta viver em Curitiba. É autor do pleonasmo "Se não for divertido não tem graça". Contato: luizsolda@uol.com.br
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