O major galopante e os húngaros – craques da pelota – 1ª parte

Na semana passada, escrevi que o Real Madrid, depois da contratação de Alfredo Di Stéfano, passou a ser o esquadrão mais poderoso da Europa. É evidente que o argentino não fez tudo sozinho. Santiago Bernabéu começou a adquirir os maiores craques do mundo, inclusive vindo ao Brasil e levando Didi (Waldir Pereira), o “Príncipe Etíope”, nas palavras de Nelson Rodrigues, em meados de 1959.

Ao contrário do que se possa pensar, em 1958 a FIFA escolheu como melhor jogador da Copa, Didi, e não Pelé ou Garrincha. Este levou o troféu em 1962 e aquele em 1970. Zizinho, mesmo o Uruguai tendo conquistado o título, ficou com o galardão em 1950. Santiago Bernabéu havia pago uma fortuna por Didi ao Botafogo, mas infelizmente as coisas não deram certo para Príncipe Etíope nos “Merengues”. Não se adaptou ao esquema de jogo, teve várias lesões e acabou fazendo poucas partidas e ainda menos gols. No meio de 1960 (quando terminou a temporada na Europa), pediu para voltar e o Real facilitou as coisas ao time da “Estrela Solitária”. Chegando ao Brasil, deu uma entrevista dizendo que havia sido boicotado por Di Stéfano. Perguntado a respeito, o argentino Alfredo não disse nem que sim nem que não. Outro que chegou ao Real e deu muito certo foi o húngaro Puskas.

Nas Olimpíadas de 1952, a seleção húngara havia assombrado o mundo com o seu futebol mágico (inventaram o 4-2-4, antes se jogava no 2-3-5 ou 3-2-5) e era a franca favorita para conquistar a Copa de 1954, disputada na Suíça. Percebendo que tinha vários tesouros nas mãos, o comunista Gustáv Sebes, ministro dos esportes do citado país, resolveu ele mesmo treinar a seleção magiar e inovou taticamente o futebol mundial. O centromédio era o genial Joséf Bozsik e pelos seus pés começava todo o jogo maravilhoso que praticavam. Na frente, alinhavam os também gênios da bola Kocsis, Hidegkuti, Puskas e Czibor. Hidegkuti, do MTK Budapest (time da polícia), era o único atacante que não jogava no Honved (o time do exército húngaro). Muito embora nunca tivessem marchado ou fizessem uma ordem unida, só jogavam futebol, os jogadores do Honved tinham patentes militares (de onde tiravam o sustento). Puskas era major (daí a alcunha de “O Major Galopante”), os outros postos militares menores. Bozsik se elegeu deputado pelo partido comunista, o único permitido na Hungria. Chico Buarque de Hollanda, no seu romance “Budapeste”, deu o nome de todos eles aos personagens.

A seleção húngara ficou 32 jogos invicta no período de 1952 a 1954, feito jamais alcançado por qualquer outra. Perderia, “apenas”, a partida que jamais poderia perder, a final da Copa, contra a Alemanha. A fama da seleção dos magiares era tamanha que foram desafiados, antes da citada Copa, pela Seleção inglesa, que jamais havia perdido no mítico Estádio de Wembley para uma seleção de um país que não fizesse parte do Reino Unido. Gustáv Sebes topou o desafio, mas impôs uma condição: seriam dois jogos, um em Londres e outro em Budapeste. Os ingleses aceitaram e o Estádio de Wembley ficou lotado para ver o “English Team” ganhar dos húngaros. Puskas & Cia tocaram 6 e os ingleses não acreditaram. Juraram vingança. Na partida seguinte, em Budapeste, o massacre foi ainda maior, levaram 7.

Em meados de 1956, os estudantes húngaros, exaustos do regime comunista, iniciaram uma série de protestos. A população aderiu e começou um levante. O Kremlin ficou apavorado e ordenou que o exército russo invadisse a Hungria para sufocar a rebelião a tanques, fuzis, metralhadoras, ferro e sangue. No dia da invasão, o Honved, que jogava a Copa dos Campeões Europeus, estava em Bilbao, na Espanha, para enfrentar o Athletic local. Sim, o Real Madrid de Santiago Bernabéu andou perdendo alguns campeonatos espanhóis para os bascos e principalmente para o Barcelona. Os jogadores ficaram apavorados com as notícias que vinham da sua terra (inúmeros mortos e feridos) e o time, com os nervos à flor da pele, perdeu o jogo. A UEFA, tendo em vista que a Hungria estava com todas as fronteiras fechadas, marcou o jogo seguinte para Bruxelas. O Honved venceu na Bélgica, mas foi eliminado no saldo de gols pelo Athletic, que não foi longe na temporada. O Real Madrid, que disputou o torneio como campeão do ano anterior, faturou o título de novo.

Os jogadores do Honved ficaram em Bruxelas ao “Deus dará”. A pedido da Federação Húngara, a FIFA proibiu o Honved e seus jogadores de jogar qualquer partida de futebol enquanto as coisas não se acalmassem em Budapeste. Só que o plantel do Honved não tinha um tostão para se manter na Bélgica.

Botafogo e Flamengo mandaram a FIFA à merda e as passagens para o Honved vir ao Rio. Foram 5 jogos com as rendas todas para os húngaros. Dois contra o Flamengo, dois contra o Botafogo, intercalados, e o quinto contra o combinado dos dois times cariocas. Os placares eram 6×4, 5×2. Ora ganhavam os húngaros, ora os locais e os cariocas se deliciaram com o show de gols. O Maracanã ficou lotado nos cinco prélios e os húngaros conseguiram algum dinheiro e embarcaram para Suíça, que honrando a sua histórica neutralidade, lhes havia oferecido asilo, casa e comida.

O técnico Béla Guttmann, ex-jogador da seleção húngara nas décadas de 20-30, nascido em Budapeste, resolveu ficar no Brasil e acertou um contrato com o São Paulo. Pediu para contratarem Zizinho, que, com 35 anos, jogou uma enormidade. Ao final do ano, o São Paulo conquistou o título. Guttmann, fez sucesso no futebol paulista, onde implantou o 4-2-4, que havia aprendido com seu mestre Gustáv Sebes, com quem dividia a religião e discordava na política. Guttmann era anticomunista e jamais voltou a pôr os pés na Hungria. Rodou por vários países do mundo, conquistou inúmeros títulos, principalmente no Peñarol, Milan e Benfica. Velho e aposentado, com muito dinheiro no bolso, escolheu viver em Viena, onde seus restos mortais repousam no cemitério judaico local.

Dos amistosos no Brasil, Kocsis e Czibor ficaram encantados com o futebol de um atacante do Flamengo, chamado Evaristo Macedo, que inclusive, no futuro, dirigiria a seleção brasileira.

Quando estavam na Suíça, a Hungria, onde o levante havia sido sufocado pelo exército russo, com milhares de vítimas fatais e ainda mais milhares de presos políticos, mandou um avião buscar o Honved. Kocsis, Czibor e Puskas (logo o Major Galopante, orgulho do exército húngaro, muito embora jamais tivesse disparado um tiro na vida) resolveram ficar. Começaram a chegar à Berna dezenas de empresários a mando de vários times italianos, para contratar os três “desertores” do Honved e da seleção húngara. A FIFA, mais uma vez a pedido da Hungria, proibiu qualquer negociação e disse que eles continuavam proibidos de jogar futebol.

O Barcelona (que já tinha experiência na questão, como conto em frente) e o Real Madrid utilizaram outra tática, mais demorada, mas com melhor eficácia. Mandaram seus agentes à Budapeste para negociar com os comunistas locais. Os “vermelhos” foram duros, mas depois de um ano de longas conversas, e provavelmente tendo chegado no preço que o partido comunista húngaro pedia, a FIFA, com a concordância magiar, liberou os jogadores. Kocsis e Czibor assinaram com o Barcelona e Puskas, o mais novo sonho de consumo de Santiago Bernabéu, com o Real Madrid. Os do Barcelona se apresentaram em plena forma física, mesmo depois de um ano parados. Puskas, baixinho e gordinho, com um estereótipo impossível para a prática de qualquer esporte, chegou com mais de 100 quilos. Os “merengues” ficaram apavorados, mas mandaram Puskas colocar o uniforme (tiveram que fazer as pressas uma camiseta que lhe servisse) e o escalaram para domingo. Entrou em campo, se entendeu maravilhosamente com Di Stéfano e começou a empilhar gols em cima de gols. Pela seleção húngara, marcou 84 em 85 jogos. Com aproximadamente 520 jogos pelo Honved e pelo Real Madrid, fez 512 – era o “homem de um gol por jogo”.

O Real Madrid, com Di Stéfano e Puskas, e mais um bando de craques, conquistou a Copa dos Campeões Europeus nos cinco anos seguintes, sendo, à unanimidade da imprensa europeia, o melhor time do continente de todos os tempos.

Sobre Solda

Luiz Antonio Solda, Itararé (SP), 1952. Cartunista, poeta, publicitário reformado, fundador da Academia Paranaense de Letraset, nefelibata, taquifágico, soníloquo e taxidermista nas horas de folga. Há mais de 50 anos tenta viver em Curitiba. É autor do pleonasmo "Se não for divertido não tem graça". Contato: luizsolda@uol.com.br
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