O pensamento de uma louça na pia

— Respiro este ponto do pensamento – que não é um ponto qualquer –, e, nesta cozinha, só sei que sou uma louça entre louças na pia. Logo todo o meu raciocínio se insurge contra esta condição e imagino outra coisa, imagino que sou um peixe que pula de ombro em ombro e também sonho que durmo na cama da princesa de longos cabelos azuis. Eu nunca acreditei no demônio, como nunca acreditei em Deus ou em Buda.

Eu nunca disse alto às outras louças na pia que não acreditava em mais nada e o motivo é simples: não quis descontentar a letra fria das leis, encarregadas de manter o respeito por tais entidades divinas. Também nunca escrevi cartas às águas que jorram da torneira, seria inútil, mas que existam louças na pia, frágeis como as ondas do mar, isto eu observo todo santo dia aqui junto delas, iguais a mim, rivais sob uma torneira alheia, fazendo-se mutuamente pirraças de louça e tendo pensamentos de louça.

Sobre Solda

Luiz Antonio Solda, Itararé (SP), 1952. Cartunista, poeta, publicitário reformado, fundador da Academia Paranaense de Letraset, nefelibata, taquifágico, soníloquo e taxidermista nas horas de folga. Há mais de 50 anos tenta viver em Curitiba. É autor do pleonasmo "Se não for divertido não tem graça". Contato: luizsolda@uol.com.br
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