O promotor, o juiz e o padre

Disse-lhes aqui ontem, ao tratar da proclamada suspeição, por parcialidade, do juiz Sérgio Moro: “… conversas entre juízes e promotores/procuradores, inclusive em processos em andamento, é coisa corriqueira, habitual e banal, assim como entre juízes e advogados. E não será isso que afetará a decisão do magistrado – desde que ele seja decente, operoso e bem intencionado, como sempre foi o Dr. Sérgio Fernando Moro.

“Ademais, também já afirmei neste espaço: o Ministério Público não é parte em processo judicial. É uma instituição pública – como a magistratura – que vela pela observância das leis e promove-lhes a execução.”

Acrescento hoje: as conversas podem tratar, sim, de acertos de procedimento, desde que sempre em nome do Direito e no cumprimento da lei. E, claro, que os agentes do Ministério Público e da magistratura sejam decentes, bem intencionados e ajam em favor da coletividade.

Por falta de espaço, não lhes contei um caso concreto, envolvendo, inclusive, meu falecido pai, então promotor público (naquela época, era promotor público; só depois virou promotor de Justiça) da comarca de Piraí do Sul, no interior do Paraná. Como juiz, recém chegara o Dr. Tadeu Marino Loyola Costa, que viria a ser desembargador e depois presidente do Tribunal de Justiça do Estado, hoje também já falecido.

Conto-lhes agora:

Determinado domingo, realizava-se na praça principal uma festa promovida pela igreja, em homenagem à santa padroeira da cidade. O Dr. Tadeu constatou a existência de um jogo de roleta em plena atividade em meio à festividade. Indignou-se e foi ao encontro de meu pai.

– Dr. Honestálio, o senhor viu um jogo de roleta em praça pública?!

– Pois é – respondeu o velho promotor -, é um absurdo! Mas o padre insiste, diz que é uma tradição e visa apenas recolher fundos para a igreja. Conversei, anteriormente, com os juízes que o antecederam, mas ninguém quis se meter.

– Não, é inaceitável! O jogo é proibido e promovê-lo publicamente, além de contrariar a lei, é um acinte às autoridades – aduziu o magistrado.

– Tudo bem – retorquiu o meu pai. “Se o senhor pensa assim, eu faço a denúncia”.

A denúncia foi feita. O Dr. Loyola Costa acatou-a e determinou a imediata retirada da roleta da festa, sob pena de prisão do padre.

Piraí do Sul entrou em polvorosa. “Como?” – bradou o padre. “É um costume de vários anos e nunca ninguém protestou!” E disse que não cumpriria a determinação judicial.

O Dr. Tadeu voltou ao representante do Ministério Público:

– E agora, Dr. Honestálio? Telefonei para o Corregedor Geral da Justiça, em Curitiba, e sabe o que ele me disse? “Por que você foi se meter com o padre?”! A força policial da cidade é só de dois meganhas, incapazes de enfrentar o padre. O que podemos fazer?!

– Telefone para Ponta Grossa e peça reforço policial – aconselhou meu pai.

Feito isso, o reforço chegou e o padre não teve alternativa senão tirar a roleta da festa para não ser preso.

Os festeiros ainda reclamaram, mas a decisão judicial foi cumprida.

Não sei como é hoje nas festas religiosas de Piraí do Sul, mas no tempo dos doutores Tadeu Marino Loyola Costa e Honestálio R. Guimarães a roletinha não voltou à praça pública.

E os então promotor público e juiz de Direito seguiram suas carreiras com dignidade e correção.

Hoje, talvez fossem considerados parciais e suspeitos no desempenho de suas funções, e a denúncia e a sentença anuladas…

Sobre Solda

Luiz Antonio Solda, Itararé (SP), 1952. Cartunista, poeta, publicitário reformado, fundador da Academia Paranaense de Letraset, nefelibata, taquifágico, soníloquo e taxidermista nas horas de folga. Há mais de 50 anos tenta viver em Curitiba. É autor do pleonasmo "Se não for divertido não tem graça". Contato: luizsolda@uol.com.br
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