Uma das características da onda de extrema direita que varre o mundo é a instrumentalização da liberdade de expressão para propagar notícias falsas e discursos virulentos. A reação de muitos dos democratas tem sido a de defender uma relativização das proteções à liberdade de expressão. Será que é esse mesmo o caminho?
Vale lembrar que, durante ao menos dois séculos, versões razoavelmente fortes da liberdade de expressão desempenharam papel central na consolidação de algumas de nossas melhores instituições, como a democracia e a ciência. Não penso que devamos correr o risco de retrocesso nessas áreas só porque experimentamos um quinquênio de dissabores.
O que fazer, então, com as sandices que líderes populistas como Donald Trump e Jair Bolsonaro publicam em suas redes sociais? A pior solução seria atribuir a algum órgão de governo o poder de decidir o que vai ou não ser publicado. Felizmente, não há muitos defendendo esse caminho.
Uma saída mais popular tem sido pressionar as big techs para que exerçam seu poder de edição e banam ou ao menos reduzam a visibilidade dos discursos mais radicais/violentos. Isso é decerto preferível à censura estatal pura e simples, mas fica ainda longe de uma boa solução.
A reclamação de trumpistas e bolsonaristas de que a exclusão das redes também configura censura procede só em parte. Se o cidadão deve ter a liberdade de dizer o que quer, empresas devem ter a de escolher o que vão ou não publicar. Melhor ainda se elas forem muitas, ideologicamente diversas e se pautarem por regras racionais, claras e previamente anunciadas.
A principal dificuldade desse arranjo é que ele concentra poder demais nas mãos dos hoje poucos atores empresariais. Mas não deixa de ser um avanço trocar o quase impossível paradoxo da tolerância (precisamos tolerar os intolerantes?) pelo problema mais tratável de como lidar com monopólios.