Mural da História – O sol da melancolia (2009)

Leio na internet que cresce, notadamente na Europa, o interesse por um dos mais intrigantes escritores que já produziu a literatura, o francês Gérard de Nerval (1808-1855). Nem tanto propriamente por seu vigor literário, digamos, que, aliás, não é pequeno, mas pelo que sua biografia – mirabolante, trágica e melancólica – desperta sobretudo entre os jovens.Um sintoma a mais a denunciar a cética aposta no futuro que é uma das marcas da juventude que emerge para a vida adulta neste tumultuário, senão infernal, início de novo milênio. Nerval é um legítimo cantor da desesperança, do desterro em vida, mais “noir” que Edgar Allan Poe.

Todas as gerações se parecem, quando jovens.A minha não idolatrava Nerval mas era, o que dá no mesmo, absolutamente adicta dos adictos-suicidas Janis Joplin e Jimi Hendrix.Inexplicável: sessentão, tenho dedicado, ao menos na área pop, desabrido amor por Amy Winehouse por tudo o que nela é rebelião e o distúrbio explícito das convenções moralistas ou moralizantes de nossos “bentos” dias. Viva Amy e a sua vida de chutes, cusparadas e pontapés! Gérard de Nerval é autor de um romance sinistro, um clássico da “deprê” – Aurélia, inspirado na buliçosa Jenny Colon, pela qual se apaixonou perdidamente em 1836.

Como não poderia ser diferente para quem “criou” o sol da melancolia, sofreu até o derradeiro dia o impossível amor pela frívola cocote parisiense. Espantoso é um poema de Nerval pouco conhecido e que li, há muitos anos, numa mambembe tradução castelhana, A Mariposa. Lembro que em tudo se parecia com o célebre O Corvo, de Poe.

O inseto noturno entra pela janela e com suas enormes asas negras assombra o poeta até o último grito, a insistir que a vida é um colapso a cada minuto. Ela própria, a mariposa, é a morte com asas… Antes de o pensarmos morto, acorda! O revôo da mariposa era só um pesadelo.Depois de longo internamento, com diagnóstico de esquizofrenia, saiu a viajar pelo Oriente. Dizem que nunca mais “voltou” dessa viagem interior, uma vez mergulhado nas doutrinas ocultistas do iluminismo. Mesmo assim, em “regresso” ou não do surto esotérico, escreveu Aurélia, seu livro mais famoso.

Bruxo e obsessivo, alucinado e genial, talvez por isso mesmo a juventude sem rumo desses nossos inquietos dias o tenha eleito o guru da hora. Menos mal para quem, a maioria, se afunda em cachorrinhos ou cachorrões da última safra dos best-péssimos.

Como a cravar uma flecha certeira bem no centro do “soleil de la mélancolie”, Nerval suicida-se, em 1855, enforcando-se, em escura madrugada, num beco fétido de Paris. Nascia a lenda e agora, entre a juventude européia, o novo mito.

Sobre Solda

Luiz Antonio Solda, Itararé (SP), 1952. Cartunista, poeta, publicitário reformado, fundador da Academia Paranaense de Letraset, nefelibata, taquifágico, soníloquo e taxidermista nas horas de folga. Há mais de 50 anos tenta viver em Curitiba. É autor do pleonasmo "Se não for divertido não tem graça". Contato: luizsolda@uol.com.br
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