O sujeito oculto

Na trilha do julgamento, Supremo chegará ao papel de Bolsonaro na intentona de 8/1

A certa altura do voto do ministro Gilmar Mendes no julgamento do primeiro condenado pela intentona de 8 de janeiro de 2023, o decano da corte pontuou: “Falta alguém”.

Referia-se a quem dominava os fatos que acabara de relatar numa linha do tempo dos inúmeros e repetidos atos de insuflação que culminariam na tentativa de golpe de Estado.

Para os bons entendedores dali e de alhures, aquelas duas palavras bastaram. Serviram à compreensão de que o sujeito oculto no cenário traçado com precisão e contundência por Gilmar e por demais ministros sobre o significado dos ataques chama-se Jair Bolsonaro.

O que se depreende desse início de julgamento é que a hora dele chegará. Ao acompanhar na maioria o voto do relator Alexandre de Moraes, o Supremo Tribunal Federal estabeleceu as balizas para as análises das condutas de quem executou, patrocinou e, sobretudo, incentivou ações cujo ápice deu-se naquele domingo nomeado o “dia da infâmia” pela ministra Rosa Weber.

Como, quando, onde e quem começou tudo? O engendramento não surgiu das cabeças dos que compõem a leva dos réus executores nem de um sentimento espontâneo do núcleo dos patrocinadores financeiros.

Foram —todos vimos, pois o mentor não procurou esconder (ao contrário, exibia-se)— estimulados desde o início do mandato de Bolsonaro a pensar que uma ruptura da ordem institucional era possível.

Primeiro, o então presidente cercou-se de militares invocando os ecos da ditadura como a forma de melhores tempos para o país. Depois, passou a pregar a desobediência civil à Justiça enquanto mantinha o Congresso ocupado com a administração do Orçamento.

Ensinou a seus seguidores o caminho para desacreditar de antemão o processo eleitoral e, ao sobrevir a derrota, recolheu-se em silencioso autoexílio como quem aguarda um acontecimento de cuja responsabilidade a distância o absolveria. É o plano que o Supremo está em via de desvendar.

Sobre Solda

Luiz Antonio Solda, Itararé (SP), 1952. Cartunista, poeta, publicitário reformado, fundador da Academia Paranaense de Letraset, nefelibata, taquifágico, soníloquo e taxidermista nas horas de folga. Há mais de 50 anos tenta viver em Curitiba. É autor do pleonasmo "Se não for divertido não tem graça". Contato: luizsolda@uol.com.br
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