O calo da pedicura

A pedicura por vezes me sorri quando passo em frente do salão, aberto à rua, sempre animada enquanto remove calosidades e asperezas, as clientes, pele a amolecer na água tépida da bacia. Hoje ela chutou a bacia com cliente e tudo. Reação típica do Brasil que emergiu em 2018: a pedicura assistia na tevê à chegada de Nicolás Maduro e senhora em Brasília, a entusiástica acolhida de Lula/Janja em vestidão entre o vermelho e o laranja; os dois em abraços e beijos com os Maduros, no calor fácil e superficial dos brasileiros. A pedicura revoltada com o primeiro casal brasileiro. Para ela, os Maduros tinham mais que apodrecer na Venezuela, longe do Brasil. Pessoa simples, a pedicura vive no mundo linear e plano de seu planeta: o presidente Bolsonaro rompeu relações com a Venezuela quando esta não deu posse ao presidente paralelo.

Parecia jogo combinado,: em seguida o noticiário divulgava o segundo repúdio de Deltan Dallagnol à sua cassação, injustiça tão grande quanto a justiça na condenação de Lula. O protesto da pedicura coincidia em dia, horário e tom com mais uma bravata de Deltan Dallagnol, esvaindo-se no desespero da cassação. O incansável Dallagnol afirmava que não pensaria duas vezes em apoiar Bolsonaro contra Lula, óbvio previsível e ululante, espertice para grangear apoio na Corregedoria dos deputados, derradeira chance para reverter sua cassação. A revolta é legítima, mas advogar desse modo e em causa própria é ter um idiota como cliente. A pedicura foi autêntica, ainda que simplória e tosca na percepção das relações internacionais. Dallagnol devia mais é esfriar a cabeça na bacia da pedicura. Assim para de trocar os pés pelas mãos.

Sobre Solda

Luiz Antonio Solda, Itararé (SP), 1952. Cartunista, poeta, publicitário reformado, fundador da Academia Paranaense de Letraset, nefelibata, taquifágico, soníloquo e taxidermista nas horas de folga. Há mais de 50 anos tenta viver em Curitiba. É autor do pleonasmo "Se não for divertido não tem graça". Contato: luizsolda@uol.com.br
Esta entrada foi publicada em Rogério Distéfano - O Insulto Diário. Adicione o link permanente aos seus favoritos.
Compartilhe Facebook Twitter

Deixe um comentário

Esse site utiliza o Akismet para reduzir spam. Aprenda como seus dados de comentários são processados.