“Os nervos estão à flor da pele”, diz bolsonarista que deixou acampamento

Três perguntas para um (quase) ex-acampado bolsonarista.

Roberto (o nome é fictício), 54, policial legislativo aposentado, passou 60 dias com a família dormindo no acampamento bolsonarista em frente ao quartel-general do Exército em Brasília. Aqui, ele conta por que foi parar lá e por que decidiu ir embora no dia do Ano Novo.

  1. Por que o senhor levou sua família para ficar 60 dias numa barraca diante do QG do Exército?

“Para impedir que o comunismo tome conta do país. O que é o comunismo? Comunismo é o seguinte: você trabalha e você tem dois celulares. Aí tem outro que não tem nenhum. “Dá o seu celular pra ele, coitado”. Você trabalha, tem uma terra e tem outro que não tem terra nenhuma. “Ah, divide a terra com ele, coitado”.

É gente que quer viver na aba do governo. O comunismo é isso. E Bolsonaro é o único que pode impedir o Brasil de ser tomado pelo comunismo”.

  1. Por que o senhor resolveu ir embora hoje?

“Amanhã, dia do Ano Novo, vai faz 60 dias que vim para cá. Passei a noite de Natal aqui, debaixo da chuva. Podíamos ter passado em casa [Roberto e a família moram em Brasília], mas achamos que não era justo abandonar nessa data as pessoas de Rondônia, Roraima, Acre que viajaram 2.300 quilômetros para estar aqui.

Mas o cansaço físico é o de menos. Eu estou mais cansado mentalmente. Essa guerra de informações é que mata. “É hoje!”. “Você viu o sinal? Vai começar!”. Um dia desses aí, perto do Natal, soltaram fogos.

“Pá-pá-pá-pá-pá”.

Pôxa, a gente chegou a comemorar, achando que já era alguma coisa. Aí não era nada. Aí começa tudo de novo. E aí não acontece nada outra vez. Eu estou com os nervos à flor da pele.

Mas estou triste de ir embora. Minha filhinha chora porque não quer ir. Hoje de manhã eu disse a ela: “Papai vai tirar a cama do seu quarto e vai colocar uma barraca no lugar”. Aí ela ficou mais contente. Já canta inteirinha a música “sou brasileiro, com muito orgulho, com amor’.

  1. Bolsonaro o decepcionou?

“Pelo amor de Deus! Claro que não. Eu estou com ele onde ele for. A minha família está com ele onde ele for. Ele não deixou mácula. Tem uns aqui que reclamaram porque ele saiu do país, acham que ele deveria ter ficado. Mas, meu Deus, ele iria ser preso!

Deixa ele descansar. O homem ficou quatro anos sendo massacrado. Ele era um cara que nos incorporava, que falava o que nós queríamos falar. Ele pegou todo mundo e falou: “Deixa que eu falo por vocês”. Ele falava o palavrão dele e tal. Pô, eu gostava. Porque ele era ele.

Mas eu ainda tenho fé.

Eu não acredito no Congresso nem no Supremo, claro, mas eu acredito nas Forças Armadas.

O outro tomou posse? E daí? Eu tenho esse lado policial, tenho treinamento, eu entendo essa demora. É uma estratégia. Se eu vou fazer uma operação no morro, eu não vou chegar lá e falar: “Senhor bandido, amanhã eu tô indo aí”. Não é desse jeito. Eles [os militares] não podem chamar a atenção do mundo. Não tem um prazo, mas vai acontecer alguma coisa, escreve aí. Eu tenho fé.”

NO MADRAÇAL BOLSONARISTA

  • O acampamento em que Roberto ficou por dois meses com a sua família chegou a ter mais de 2 mil pessoas. Quando esta colunista esteve lá — um dia depois do discurso de Bolsonaro e de sua partida para os Estados Unidos– havia no local cerca de 100 barracas, algumas do tamanho de casas. Todos que circulavam pelo acampamento, inclusive crianças, usavam camisetas ou bonés verde-amarelos. Como num madraçal islâmico, megafones transmitiam sem parar discursos de apoio a Bolsonaro e de críticas ao PT.
  • Segundo a polícia, esse acampamento serviu de base para o planejamento do atentado terrorista, frustrado pela polícia, que visava a impedir a posse de Luiz Inácio Lula da Silva, segundo afirmou em depoimento George Washington Souza, preso em flagrante por tentar explodir uma bomba nos arredores do Aeroporto de Brasília.
  • O ministro da Justiça e da Segurança Pública, Flavio Dino, havia dito que os acampamentos bolsonaristas em frente a quartéis seriam desmontados até a posse de Lula. Agora, porém, o governo aposta numa desmobilização espontânea dos acampados. Dino determinou ao novo diretor da Polícia Federal, Andrei Rodrigues, que conclua e instaure novos inquéritos contra atos antidemocráticos e “incitação das Forças Armadas a atos hostis contra os poderes constitucionais”.

Sobre Solda

Luiz Antonio Solda, Itararé (SP), 1952. Cartunista, poeta, publicitário reformado, fundador da Academia Paranaense de Letraset, nefelibata, taquifágico, soníloquo e taxidermista nas horas de folga. Há mais de 50 anos tenta viver em Curitiba. É autor do pleonasmo "Se não for divertido não tem graça". Contato: luizsolda@uol.com.br
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