Os poetas de banheiro não podem morrer

Vida longa a todos os gigantes da pequena ambição no mundo da ambição gigante

Sou do tempo em que porta de banheiro era folha de papel. Ali os poetas começavam cedo a sua carreira, trancados no sanitário da escola com caneta na mão declarando seu amor ou seu desejo por algum colega em versos cheios de hormônios e erros de ortografia.

À medida que os poetas de porta de banheiro amadurecem, amadurecem seus temas. Dentro da porta do banheiro de bar, surge o A de anarquia, a letra do Renato Russo, o verso de Rimbaud, a poesia autoral de quem já aprendeu que o amor, assim como o crime, nem sempre compensa.

E que desça mais uma rodada, já que a bebida ajuda a soltar a mão dos tímidos e ferver a mão dos experientes, fazendo das portas de banheiro de bar um acontecimento literário, uma ode à musa Noite, uma dignificação das cagadas. A riqueza de certas portas é tamanha que muitos estabelecimentos as tratam como relíquia, mantendo-as por décadas longe das reformas –já soube do caso de um proprietário que tentou restaurar com Pilot o haikai de um célebre mijante.

Mas isso não é para qualquer portinhola. Nunca vi poesia atrás de porta de banheiro de avião, talvez porque ali, se flagrado em exercício, o poeta não tem para onde correr. Portas de banheiro de firma também não costumam ser brindadas com o sangue esferográfico das palavras, talvez porque simplesmente não mereçam. Se querem que a fórmica ganhe o calor de um desabafo, que paguem ao poeta maquinal uma hora extra!

Já apontam alguns donos de porta que, de uns anos para cá, a produção artística vem decaindo. Muitos poetas do gênero, tomados por uma nova e avassaladora incontinência verbal, acabam soltando os versos nas redes sociais antes de chegar ao W.C.

Sobre Solda

Luiz Antonio Solda, Itararé (SP), 1952. Cartunista, poeta, publicitário reformado, fundador da Academia Paranaense de Letraset, nefelibata, taquifágico, soníloquo e taxidermista nas horas de folga. Há mais de 50 anos tenta viver em Curitiba. É autor do pleonasmo "Se não for divertido não tem graça". Contato: luizsolda@uol.com.br
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