Luiz Felipe Pondé – Folha de São Paulo
Uma das áreas em que modismos mais fazem estrago é a educação. Mas, quem pensa que esses modismos vêm apenas do universo da autoajuda para serem usados nas escolas, se engana. As bobagens também vêm de lugares onde se reúnem pessoas inteligentes e competitivas e visam a universidade. Há uma nova bobagem no mercado das modinhas: o idiota da singularidade. O que é isso? Já te explico.
Sou um animal da academia. Adoro seu cotidiano. Dar aulas, para mim, é um pequeno pedaço do paraíso. Sim, critico muito a academia porque ela virou, em grande parte, um espaço para gente fazer (apenas) ascensão social via manipulação dos colegiados a favor de grupos de poder institucional, portanto, um antro da mais baixa política (o PMDB é ingênuo se comparado às baixarias de muitos colegiados).
Isso para não falar na burocracia infinita a serviço de uma produção quase irrelevante em termos do que as pessoas reais buscam no conhecimento. Dito isso, vamos ao que interessa hoje.
A nova bobagem é bem chique. Vem do Vale do Silício e vem temperada no velho argumento de que a universidade como conhecemos acabou. Veja: claro que mudanças ocorrem. Da Idade Média para cá, a teologia perdeu seu lugar máximo para diversas formas de conhecimento. E a ideia, defendida pelos gurus do Vale do Silício, de que a universidade pode ser menos burocrática e voltada para a criatividade dos alunos e professores, não é seu grande problema. Na verdade, concordo com essa ideia. Estimular a criatividade e a ousadia é bom. A besteira vem depois.
A modinha para bobos é que os gurus da “singularidade” (como se autodefinem) querem destruir a universidade para reduzi-la a “mera” técnica. Segundo eles, a criatividade deve ter apenas oito focos em mente: alimentar toda a população do planeta, garantir o acesso a água potável, educação para todos, serviços básicos de saúde, energia sustentável, segurança, cuidado com o meio ambiente e acabar com a pobreza.
Depois disso tudo, seremos felizes em nossas gaiolas. O sonho desses gurus é fazer da humanidade um parque temático de idiotas alegres.
Ingênuos talvez não vejam o engodo de uma ideia como essa. Esses gurus nunca devem ter lido o “Admirável Mundo Novo” de Aldous Huxley e, portanto, não sabem que a perfeição técnica é inimiga da humanidade.
Só iniciantes na inteligência, ou gente que quer destruir a capacidade humana de pensar, imaginam que reduzir a universidade a uma oficina para deixar o mundo limpinho seja uma ideia nova ou a função do pensamento na espécie.
Há 17 mil anos, em Lascaux, na França, homens de Cro-Magnon (sapiens como nós) pintaram imagens xamânicas em busca de entender a si mesmos e ao mundo para além da tinta que usavam para pintar essas imagens. Logo, o homem de Cro-Magnon estava à frente dos gurus da singularidade: para estes, as tintas são tudo que importa.
O filme “A Guerra do Fogo” (1981), de Jean-Jacques Annaud, mostra na sua cena final o casal principal após “vencer” a guerra do fogo na pré-história, sentados ao lado do fogo, ela grávida, e ambos contemplando a barriga dela, e a Lua brilhando na vastidão escura do céu.
Nossos idiotas da singularidade provavelmente acham que, colocando uma luz de xênon no universo, resolveriam a questão presente nessa cena. A questão é: quem somos nós? De onde viemos? Para onde vamos? Qual nossa relação com o universo? Mesmo se você é niilista, essas questões continuam existindo.
Claro que ciência e técnica são essenciais. O erro desses gurus é achar que o problema todo da humanidade se resolve com um empreiteiro competente.
Mas nem tudo está perdido. Um representante de outro gigante do conhecimento nos EUA, o reitor do MIT, Rafael Reif, defende a relação entre alta competitividade em formação tecnológica e as humanidades, justamente porque, segundo ele, é nesse encontro das duas grandes áreas que se produz o aluno que eles buscam: pessoas raras e inquietas.
Espero que, aqui no Brasil, nenhum “empreiteiro da educação” embarque nesse novo modismo e tente fazer das universidades empresas de faxina.