Elza Pereira e Pedro Viegas, alvos da ditadura brasileira, refugiaram-se em Santiago antes do regime de Pinochet
Lembrar as datas se torna uma tarefa cada vez mais difícil. Para isso, Elza Pereira, 79, conta com a ajuda da memória do marido, Pedro Viegas, 86. Com os remendos que um faz às recordações do outro, o casal narra o episódio que os uniu, num dos momentos mais inesperados de suas vidas: o exílio político no Chile nos anos 1970.
Perseguidos pelos militares brasileiros, os dois buscaram refúgio no país então liderado por Salvador Allende. Expulsa do curso de odontologia em Minas Gerais acusada de “subversão” e na mira do regime, que ameaçava prendê-la pela terceira vez, Elza, membro da ALN (Ação Libertadora Nacional), emigrou em 1970 para Santiago.
Pedro foi dali a alguns meses, em janeiro de 1971, enviado pelo próprio regime —o ex-marinheiro e jornalista foi um dos 70 presos liberados pela ditadura, mas expulsos do país, em troca do então embaixador suíço Giovanni Bucher, sequestrado por militantes de esquerda.
Foi na capital chilena, em meio a grupos de brasileiros refugiados, que o casal se conheceu. Juntos desde então, os dois, já aposentados, vivem em Iperó, no interior de São Paulo.
“Eu nasci num lar comunista”, diz Elza. “Meu pai [Diamantino Pereira] era operário têxtil, em Sorocaba. Ele foi morto tempos após a série de torturas nas últimas prisões que sofreu no DOI-Codi, segundo os depoimentos dos companheiros –porque ele mesmo não falava nada.”
Elza foi detida pela primeira vez no Congresso da UNE, em Ibiúna, em 1968. Depois, foi presa em abril de 1969 quando participava de uma reunião do movimento estudantil da UFMG (Universidade Federal de Minas Gerais). Então, seu nome entrou de vez numa perigosa lista.
A tortura à qual foi submetida é um tema sobre o qual prefere não falar. “Fiquei vários anos tratando psicologicamente. Não para esquecer, mas aceitar as coisas que aconteceram. Foi um período difícil, não só para mim, mas para todos.”
A ameaça que a levou a sair do país veio alguns meses após a segunda prisão, quando, por meio de uma colega de trabalho, militares descobriram em seu armário uma pilha de livros e documentos tidos como subversivos. Elza diz não guardar rancor. “Acredito que não foi intencional. Tampouco considero uma traição. Sei que havia medo e que, provavelmente, ela era pressionada a me entregar.”
O episódio também lhe rendeu a expulsão do trabalho e da universidade sob o guarda-chuva do Decreto 477, instituído pelo general Artur da Costa e Silva naquele mesmo ano para punir professores, alunos e funcionários da instituição considerados subversivos pelo regime. Com os militares à espreita, ela fugiu.
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