Eu vi o tempo brincando

Não adianta, os mortos jamais nos abandonarão. Estamos condenados a conviver com eles todos os dias, na memória e nos sonhos, até que nós próprios partamos – por bala, susto ou vício – para o inevitável destino de gregos e troianos, lorpas e pascácios, o Vale de Sombras. Então os veremos todos, inclusive um monte de gente que não fazemos a menor idéia de quem se seja. Ou não veremos coisa alguma, já que defunto, por definição, não vê nada nem ninguém – bater com as dez significa terminar, extinguir-se, e quando fechamos os olhos a primeira coisa que a bicharada devora são os próprios, daí, suponho, a expressão ‘esses olhos que a terra há de comer’.

A avó Dina, por exemplo. Foi-se há 46 anos, mas quase todos os dias a vejo por aí, caminhando pela cidade, passeando pela Curitiba em que viveu por 54 anos, gordinha, sorridente e amorosa como ela só. Mês passado, ao circular pela Praça Rui Barbosa, onde ela morava num vistoso sobrado de frente para o Largo Alfredo Parodi, lá estava a Dina, recostada no balcão do alpendre, apreciando o vai e vem dos bondinhos elétricos. Num deles, diz a lenda, quem costumava descer nas imediações era o Dalton Trevisan, a caminho da olaria da família, logo acima, na Emiliano Perneta.

Eu tinha nascido naquela casa numa madrugada de 9 de fevereiro dos anos 50, de parto de parteira. E continuei voltando sempre, ela me chamava de ‘meu garoto de ouro’, sempre me dava um dinheirinho, era gostoso visitá-la, eu saía a pé lá do Rebouças e ia assobiando pelas ruas. Naquele tempo não havia violência nem nada, de forma que eu revia a avó, era coberto de beijos e presentinhos, e voltava para casa como quem vinha de uma festa.

No quintal irrompia, na direção do céu, uma pereira enorme que eu escalava para apanhar frutas, mas aproveitava para, lá do alto, ver a imagem da virgem negra dos polacos, à esquerda, embora a diversidade religiosa da família não fizesse daquele um programa obrigatório – adoravam-se todos os deuses naquela mansarda.

Estacionei o carro num ponto qualquer e resolvi entrar para matar a saudade. Será que a árvore continuava lá? Aquele raio de luz, vindo da igreja, que na minha infância parecia banhar precisamente aquele ponto da propriedade, teria se apagado?

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Musas

meu-tipo-inesquecível--sára-saudkováSára Saudková.  © Jan Saudek

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Fraga

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Valdemar crê em Michelle

Enrolada na investigação das joias doadas pela Arábia Saudita, a ex-primeira-dama Michelle Bolsonaro será incluída nas pesquisas internas do PL para presidente da República de 2026.

Michelle nunca deixou de ser uma possibilidade para Valdemar Costa Neto, mesmo quando o marido pediu para que não a envolvesse numa eventual candidatura presidencial, como mostrou o Bastidor (aqui e aqui).

Para tentar dar um gás na aliada para as pesquisas, presidente do PL mulher, Valdemar vai aumentar o ritmo de viagens de Michelle pelo país e as idas a eventos políticos da legenda ou de aliados.

Valdemar continuará a dizer a aliados que o teste será só para leitura de conjuntura, porque ela continua a ser um nome para o Senado pelo Distrito Federal. É claro que tudo pode mudar a partir do que vier no levantamento – ou do escândalo das joias.

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Tiago Recchia, em algum lugar do passado.

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Aurora Morgenrot. ©Zishy

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Mural da História – 2020

flagrantes-20Jaime Lerner, Constantino Viaro e Carlos Deiró conferem os arquivos implacáveis de Beto Bruel.  © Maringas Maciel

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O batismo da Luluzinha

Sabe-se agora quem deu os nomes à turma do Bolinha. Mas quem batizou Huguinho, Zezinho e Luizinho?

Todo escritor já sonhou com isso: criar personagens cujos nomes se incorporem à língua como se eles tivessem existido. Algo assim como Iracema, Capitu, Macunaíma, Gabriela ou a garota de Ipanema —tornaram-se tão parte de nossa vida que muitos se surpreendem ao saber que eles foram inventados. E, pensando bem, por que precisariam saber? Bem, não posso falar pelos outros, mas eu quero saber. Daí, fiquei contente por descobrir, pelo obituário da Folha (26/8), quem batizou aquela deliciosa turma dos quadrinhos: Luluzinha, Bolinha, Aninha, Raposo, Glorinha, Alcéia —a turma do Bolinha, você sabe.

Foi a tradutora paulistana Maria Flora Whitaker Salles, que acaba de nos deixar, aos 86 anos. Em 1955, “Little Lulu”, um sucesso dos gibis americanos, fora comprado pela então poderosa editora de O Cruzeiro, cuja diretora, Maria Amélia Whitaker Gondim de Oliveira, era prima de Maria Flora. Maria Amélia lhe ofereceu o trabalho. Maria Flora aceitou e, de seus amigos, conhecidos e familiares, saíram os nomes que ela sapecou em Luluzinha e demais personagens —no caso dos mais antipáticos, não sem uma ponta de maldade da tradutora.

Daí me perguntei sobre outros antigos heróis dos quadrinhos. Quem batizou os sobrinhos do pato Donald, Hughie, Dewie e Louie, de Huguinho, Zezinho e Luizinho? E Scrooge McDuck de Tio Patinhas? E os esquilos Chip e Dale de Tico e Teco? Quem fez de Bugs Bunny, Pernalonga? De Alley Oop, Brucutu? De Maggie e Jiggs, Pafúncio e Marocas? De L’il Abner, Ferdinando? E, da mãe de Ferdinando, Mammy Yokum, Chulipa Buscapé? Alô, pesquisadores.

Nem sempre deu certo. Clark Kent, recém-chegado ao Brasil, ganhou o nome de Edu. Não colou. Já Batman começou como o Homem-Morcego e logo teve de voltar a ser Batman.

Mas ninguém supera Maria Flora. Foi madrinha também de Zé Colméia, Catatau, Dom Pixote, Manda-Chuva, Babalu e Pepe Legal.

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Elogio da loucura

Vide Bula (poema do polaco doido)

toda família curitibana tem um louquinho trancado no porão (dalton trevisan)

diazepan insensatez rivotril haldol
neozine esquizofrenia serzone vertigem
aropax neurose melleril noradrenalina stelazine
vigabatrin depressão risperdal demência vozes
fantasmas propanolol medos
prozak alucinações socian cerebrastenia
letargia alienação mental psicopatia anafranil
raciocínio absurdo efexor cefaléia cansaço pavor
zoloft desconfiança ziprexa hostilidade remeron
akineton afeto diminuído depakene
palmelor hiperprexia tegretol
ansitec rigidez muscular daforin
leponex evidência de instabilidade autonômica
anatensolparnate alterações de pensamento
dogmatilstelapar delírios convulsão sonolência
orapdiscurso indistinto midríase visão borrada
hipotensão tontura carbolitium acatisia
edema periférico boca seca constipação
os pacientes alterados devem ser mantidos
fora do alcance das crianças

(aos internos do antigo hospital espírita de psiquiatria bom retiro, por alguém que esteve lá, prontuário nº 35264)

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Fraga

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Mais atrapalhado que discurso de turco.

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Mural da História – 2016

benett-5© Benett

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Renata Flávia, Poesia Tarja Preta, Teresina, Piauí.

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