O dia em que Romeu Bacellar Filho desobedeceu o seu mestre

Entre as várias qualidades do professor Romeu Felipe Bacellar Filho, de quem lhes falei na semana passada – impossíveis de serem arroladas em um único e diminuto artigo –, há uma não citada, que merece especial atenção: a coragem.

Prova disso é a história contada por ele próprio, no livro “Memórias de um Administrativista”, a propósito da sua primeira participação em um congresso internacional de Direito, realizado na cidade de Buenos Aires, na Argentina. O conferencista deveria ser o professor Manoel de Oliveira Franco Sobrinho. Impossibilitado de comparecer, o professor Manoel encarregou Romeu Felipe de substitui-lo. O veterano mestre deu-lhe uma carta de apresentação, a ser entregue ao professor Miguel Marienhoff, presidente da Associação Argentina de Direito Administrativo, e fez questão de alertá-lo sobre o modo fidalgo dos argentinos: “Vão te alojar no Hotel Alvear, o melhor e o mais caro de Buenos Aires! O tratamento será sem dúvida de primeira!”.

O congresso estava sendo realizado na pomposa sede da Aeronáutica Argentina e já havia iniciado quando Romeu chegou. Estava no intervalo para o almoço. Romeu divisou o professor Marienhoff numa roda de autoridades, pediu licença e entregou ao argentino a carta do professor Oliveira Franco.

“De colete, com os dedos nos bolsilhos” – conta Romeu –, [ele] “me olhou atentamente, demorou para abrir a carta e exclamou: ‘Como? No viene Franquito? Vas a hablar vos? Qué chico!’”.

Nenhuma atenção mais lhe foi conferida. Não tinha sido convidado para o almoço, de modo que ficou no recinto do congresso, com uma pequena mala nas mãos, aguardando a sua participação, se é que ela, diante da recepção que teve, lhe seria dada.

“Nervoso, com fome e com alguma raiva” – confessa Romeu –, “fiquei aguardando o horário de minha participação conforme o programa previa”.

“Quando anunciaram a reabertura dos trabalhos” –, continua – “convocaram para a mesa primeiro os dois outros professores e, por último, ‘el professor brasileño que va a reemplazar Manoel de Oliveira Franco Sobrinho’. Não se dignaram a perguntar o meu nome para o prévio anúncio”.

A irritação tomou conta do proceder de Romeu. Enquanto ouvia as explanações de seus antecessores, “todas alinhadas num repetitivo e ultrapassado entendimento no sentido de que a figura do contrato era típica do Direito Civil e emprestada ao Direito Administrativo, onde tinha que se conformar às exigências do Direito Público e receber em seu teor as chamadas cláusulas exorbitantes”, lembrou-se dos conselhos do professor Manoel: “Quando de sua participação no evento, cuide de tomar todas as cautelas. Não se meta a rabequista! Conheço bem a sua mania de querer mudar o tradicional. Faça isso e eles vão te fritar!”.

Não obedeceu ao querido mestre. “Talvez em função da fome, da irritação e dos maus-tratos” – conta –, “comecei a minha exposição dizendo em alto e bom som o meu nome, relatei a lamentável situação que estava enfrentando por, desavisadamente, aceitar substituir o grande Professor Manoel e que, de qualquer modo, pelo que tinha ouvido até então, era enorme a minha decepção!”. Prosseguiu: “As considerações feitas soavam como um insulto a tudo o que eu vinha estudando e defendendo…” E discorreu sobre as “desastradas consequências” de tais afirmações.

Dando – reconhece – “extremado alarde” aos seus argumentos, demonstrou tanto com base no Código Civil brasileiro quanto no Código Civil argentino as inúmeras passagens em que os ditos cadernos legais valiam-se de preceitos do Direito Administrativo. E concluiu repisando a unicidade do Direito e oferecendo uma resposta crítica aos que pensavam em contrário.

Foi surpreendido com os aplausos que recebeu ao final da fala e com a imensa fila formada para cumprimentá-lo, incluindo diversos professores presentes, entre os quais o professor Juan Carlos Cassagne, na época auxiliar de Marienhoff na organização do congresso. Ganhou, então, as credenciais e um voucher para a estada durante a realização do evento em um hotel nas proximidades.

A partir de então, Romeu jamais deixou de ser convidado para os grandes eventos que aconteceram na Argentina. Quer dizer: aquele “menino” imaturo e cheio de ideias tresloucadas, que desobedecera a orientação do mestre Manoel de Oliveira Sobrinho, não envergonhara a doutrina brasileira!

Publicado em Célio Heitor Guimarães | Deixar um comentário
Compartilhe Facebook Twitter

Meu nome é Ébano

Publicado em Sem categoria | Com a tag | Deixar um comentário
Compartilhe Facebook Twitter

A velha história

Está em curso em Brasília uma operação para salvar Jair Bolsonaro na história das joias sauditas. Seu advogado, Frederick Wassef, tenta convencer que comprou – por livre e espontânea vontade – o relógio Rolex que Bolsonaro ganhou e depois foi vendido pelo ajudante de ordens, tenente-coronel Mauro Cid.

A história é velha e tem chances remotas de convencer autoridades que investigam o caso. Não só é velha, como já foi usada por outro presidente em apuros.

Em 1992, Cláudio Vieira, secretário particular de Fernando Collor de Mello, surgiu com a história que havia tomado um empréstimo de 3,75 milhões de dólares no Uruguai para a campanha eleitoral de 1989. Havia até barras de ouro e um doleiro no caminho. Era uma forma de justificar os gastos de Collor e evitar o que todos sabiam, que o então presidente recebia dinheiro de seu ex-tesoureiro, Paulo César Farias. Collor era investigado por uma CPI e sofria um processo de impeachment.

A Operação Uruguai, como ficou conhecida, foi montada às pressas, com documentos duvidosos, e não convenceu ninguém. Wassef tenta convencer a todos com uma versão contemporânea, uma Operação Miami.

Segundo ela, ele foi aos Estados Unidos por outro motivo aleatório e decidiu comprar o relógio por livre e espontânea vontade, com o próprio dinheiro – 49 mil dólares – para entregar ao Tribunal de Contas da União (TCU), que reclamava a devolução dos presentes sumidos.

Wassef tenta, com isso, dizer que o dinheiro usado para a recompra não era de Bolsonaro – pois isso confirmaria que o valor da venda foi entregue em espécie ao ex-presidente, como indicam diálogos captados pela PF.

Como a Operação Uruguai, a Operação Miami também foi montada às pressas. Como fez Cláudio Faria em 1992, Wassef tem de assumir a responsabilidade por algo para salvar o chefe. Wassef teve de desmentir a si mesmo: antes havia dito que nunca havia visto o tal relógio; agora diz que não só o viu, como o recomprou.

Diferente de 1992, quando havia menos tecnologia, desta vez a Polícia Federal sabe por trocas de mensagens que, quando o Tribunal de Contas da União (TCU) cobrou a devolução dos bens que Bolsonaro levou e Cid vendeu nos Estados Unidos, assessores de Bolsonaro correram a recomprá-los.

A Operação Uruguai não convenceu ninguém – tanto que Collor renunciou e foi cassado. A Operação Miami de Wassef tem poucas chances de convencer também. Bolsonaro já não é mais presidente, não pode ser cassado – mas pode ser preso. Coincidência histórica, em maio seu colega Fernando Collor foi condenado pelo Supremo a uma pena de oito anos por corrupção e pode ser preso em breve.

Publicado em O Bastidor | Deixar um comentário
Compartilhe Facebook Twitter

Soy loco por Parnaíba!

Joyce-Porto-das-BarcasPorto das Barcas.  © Joyce Vieira

Publicado em Sem categoria | Com a tag | Deixar um comentário
Compartilhe Facebook Twitter

Arte de Viver

homem-doisEu – acrílica sobre tela|40 x 50 cm|1999|Hospital Espírita de Psiquiatria Bom Retiro. Do livro “Arte de Viver” – Poesias e Pinturas|Janssen-Cilag

Publicado em Sem categoria | Com a tag | Deixar um comentário
Compartilhe Facebook Twitter

Flagrantes da vida real – 2013

maringas-no-banhoMaringas Maciel, autorretrato, de molho.

Publicado em Flagrantes da vida real | Com a tag , | Deixar um comentário
Compartilhe Facebook Twitter

Publicado em Comédia da vida privada | Com a tag | Deixar um comentário
Compartilhe Facebook Twitter

Millôr Fernandes – 1923|2023

millôr-carta-capital 100 anos de Millôr Fernandes.

Publicado em Sem categoria | Com a tag , , | Deixar um comentário
Compartilhe Facebook Twitter

© Jan Saudek

Publicado em Sem categoria | Com a tag , | Deixar um comentário
Compartilhe Facebook Twitter

Direto de Parnaíba…

Publicado em Albert Piauhy | Com a tag | Deixar um comentário
Compartilhe Facebook Twitter

O Pasquim – 1989

Você é um babaca, Jaguar”, eu disse pro espelho logo depois que li no jornal a notícia da morte de Leminski. “Um tremendo babaca.” Leminski foi um dos quatro porraloucas de gênio que conheci; os outros foram Hélio Oiticica, Armando Costa e Glauber.

Quando Leminski mandou pro Pasquim aquele seu romance-tijolo, Catatau, me irritou. Achei pernóstico, pretensioso, provinciano, metido à besta. Os artigos que nos mandou também, botei na gaveta. E ficou por isso mesmo. Isso foi há quase 20 anos. Há uns 2 anos estive em Curitiba, nos encontramos por acaso num bar. Porre de steinhager com cerveja. Me mostrou poemas magníficos. Ficou de mandar colaborações pro jornal. Escreveu um telefone de São Paulo num guardanapo de papel, é claro que perdi. Antes que conseguisse localizá-lo, a cirrose o apanhou.

Depois recebi Nicolau, uma revista paranaense com textos e poemas dele da maior qualidade. Mas no Pasquim, que é bom, não teve Leminski. Culpa minha. Perdão, leitores. 

Publicado em Sem categoria | Com a tag , , , | Deixar um comentário
Compartilhe Facebook Twitter

Flagrantes da vida real

Rodrigo Barros Del Rey e Samuel Lago: harmonia Rádiocaos. © Maringas Maciel.

Publicado em Flagrantes da vida real | Com a tag , , | Deixar um comentário
Compartilhe Facebook Twitter

Trump e Bolsonaro, os idos de janeiro

Ambos são capazes de imaginar um golpe de Estado, mas realizá-lo de uma forma tão grosseira que podem acabar na cadeia.

Há semelhança nas derrotas de Trump e Bolsonaro. Ambos questionaram antecipadamente o processo eleitoral. Trump implicou com o voto impresso; Bolsonaro estigmatizou as urnas eletrônicas. Ambos pressentiam a derrota e armavam o pulo do gato.

Na invasão do Capitólio no 6 de Janeiro, muitos acreditavam que a eleição de Biden fora um roubo. Em Brasília, no 8 de Janeiro, muitos também supunham que haviam sido iludidos pelas urnas eletrônicas.

Percebo agora que a hipótese de uma revolta popular era apenas o lance de um jogo mais complexo. Trump pretendia usar falsos delegados e resultados falsos para ser adotados pelo seu vice, Mike Pence, na sessão do Capitólio. Não funcionou.

A invasão do Congresso, do Palácio do Planalto e do STF também não era para ser um episódio isolado. Esperava-se uma interferência das Forças Armadas, por meio de uma operação de GLO (Garantia da Lei e da Ordem). Também não funcionou.

Trump e Bolsonaro já vinham de uma vitória semelhante. Ambos criticavam o sistema político, se colocavam como pessoas comuns, atacavam a imprensa e a academia. Ambos fingiam defender valores tradicionais, embora suas vidas desmentissem essa adesão.

No caso de Trump, o salto foi evidente. Quando pensou em disputar as eleições com Pat Buchanan, zombava muito dele porque era antinegro e antigay. Apesar de ser um milionário de gosto duvidoso, que construía prédios com encanamento de ouro, Trump vivia entre artistas e milionários e, de uma certa forma, compartilhava valores com eles. Basta ver a sucessão de mulheres, modelos, com quem foi se casando ao longo do tempo.

Assistindo a um documentário sobre a vida de Trump, creio que ele teve uma grande intuição em estudar e tentar imitar a trajetória de Jesse Ventura, que foi governador de Minnesota. Ex-atleta de luta livre, veterano do Vietnã, musculoso e calvo, Ventura representou o papel do homem comum que dizia algumas bobagens, mas era sincero. Além disso, hostilizava a imprensa por colocá-la na mesma prateleira de políticos e intelectuais. Seu governo tentou manter uma velha lei de Minnesota que proibia sexo oral e anal e estigmatizava gays.

Trump mandou assessores e foi pessoalmente estudar o sucesso de Ventura entre os americanos que mais tarde ele arrebataria com críticas à globalização e o programa de tornar a América grande de novo.

Bolsonaro talvez nem conheça a trajetória de Jesse Ventura. Ele, por suas características, não precisava da observação metódica de Trump para representar bem o papel.

Ventura, conhecido também como O Corpo (1m93 e 111kg), foi eleito em 1998. Trump sempre ameaçou entrar no processo eleitoral. Mas afirmou que só entraria quando tivesse certeza da vitória. Foi bastante aplicado, pesquisou corretamente e entrou na disputa na hora certa. Continue lendo

Publicado em Fernando Gabeira - O Globo | Deixar um comentário
Compartilhe Facebook Twitter

Como xampu de caspa

Tenho engulhos ao ver meu precioso imposto usado para pagar a propaganda da assembleia legislativa: “você sabe o que faz um deputado?” Dinheiro jogado fora, todos sabemos o que faz um deputado: dinheiro, propaganda, parentesco, programa de rádio e televisão. O importante para o eleitor, mais ainda para o contribuinte que paga, é aquilo que o deputado não faz. Isso a propaganda não conta, de propósito. Os publicitários são gênios da psicologia, coaches, influencers do consumidor. Espertos, contam o que se faz à luz do dia e escondem o que acontece no “breu das tocas” – como a fabricação de salsichas.

Os publicitários transformam os deputados em xampu de caspa: todos sabem que não cura, mas a propaganda quase convence que resolve. Deputado bom tem que ser como os da Escandinávia, que vão para o serviço de bicicleta. *Àqueles a quem causam engulho estas linhas, ouso lembrar que nossos deputados enfiaram artigos na constituição de 1989, escondidinhos, no calar da madrugada, coisa boa para outros, não para nós (se me encherem o saco conto a quem e por quê). Sim, eram outros deputados, outra assembleia, a dos diários secretos. Bem diferente; não usava agência de publicidade, tinha o Bibinho para isso.

Publicado em Rogério Distéfano - O Insulto Diário | Deixar um comentário
Compartilhe Facebook Twitter

Amizade – Egon Schiele. Apesar do nome, há muita sensualidade entre as duas pessoas retratadas por Schiele. Elas estão abraçadas em um emaranhado de linhas e formas que lembram os trabalhos figurativos do pintor austríaco.

Publicado em Geral | Deixar um comentário
Compartilhe Facebook Twitter