Talento para loucura

Por esses dias, li o artigo de um psiquiatra dizendo que todo sujeito metido a hilário é meio maníaco-depressivo. Para sustentar a hipótese citou um estudo científico com 523 comediantes. A maioria apresentava sintomas próximos do transtorno bipolar e da esquizofrenia.

Sempre ouvi de parentes e amigos, quando eu contava um caso, ou quando liam meus textos: “esse Carlos Antônio é doido”. Mas confesso que nunca imaginei que pudesse ser mesmo.

Por outro lado, quem vai discutir com a Ciência? Um palhaço? Um bobo da corte? Sem chance.

Por isso, não estou aqui refutando a Medicina. Somente surpreso com a constatação de que sou um indivíduo à beira da cretinice irreversível.

Curiosamente, sempre me julguei um sujeito dentro de uma dita normalidade. Estudei em boas escolas, viajei, casei, tive filhos. Só o meu gosto pelo humor destoava um pouco das carreiras tradicionais. No fundo, julgava até que ser publicitário era mais grave em termos psicológicos. Há até uma máxima no meio que diz: não existe nenhum criativo normal com mais de dez anos de agência. Imagine eu, com 30 primaveras nas costas de comerciais, anúncios e agora posts e ativações…

Só que não. A Ciência, respaldada em pesquisadores sérios, desde Hipócrates, afirma mesmo que, só quem mexe com comédia, come cocô e rasga dinheiro.

Ok, então vamos ter um pouco de empatia aqui. Não por que é a palavra da modinha, mas por que é mais democrático. Se os esculápios dizem tais coisas de nós, os comediantes, o que poderíamos dizer deles?

É claro, não tenho nenhum estudo com 523 médicos para poder afirmar que muitos deles são lelés da cuca, mas alguns com quem me consultei eram bem estranhos.

Não sei se são exatamente maníacos-depressivos ou esquizofrênicos. Mas vários são bem sádicos. Teve um, certa feita, que me pediu uns 17 exames. Fiz todos, já meio encanado. Ao voltar ao consultório do cidadão, ele passou cerca de 25 minutos lendo as análises clínicas em pesado silêncio. De vez em quando voltava algumas folhas, lia de novo, marcava com uma caneta. Eu ia suando, engolindo em seco. Passado um longuíssimo tempo, colocou calmamente os registros no envelope e declarou:

– Sua saúde está excelente. Parabéns.

Meses depois, uma oftalmologista me examinou e foi taxativa:

– Suas chances de ficar cego não são pequenas.

Sai arrasado da consulta e, como sou um otimista, depois de meia hora já estava me consolando com o fato de que Homero e Joyce também eram cegos – o que certamente seria sinal do meu talento literário.

Fiz tantas exames na vista que tive que pagar a prazo. Voltei à oftalmo e ela concluiu, vendo os calhamaços de tomografias e gráficos de campo de visão:

– O nervo ocular é um pouco maior que a média, mas é genético. Cego o senhor não morre.

Enfim, só um desabafo com os que me acompanham aqui. De humorista e louco, todo mundo pode ter um pouco. Contudo, não são só os pobres palhaços que merecem ir pro Pinéu.

P.S.: depois que li o tal artigo entrei em depressão. Só que fiquem bem tranquilos. Tenho autoestima tão baixa que não consigo matar nem uma formiga, quanto mais uma minhoca como eu.

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Osso para Wilson

Penso em Wilson Bueno
como um osso ao relento,
nu e núbil como um osso
a esmo.

Osso que se bastasse
de sua classe alvura,
nu e núbil de sua própria
lua.

Osso que se recusasse
à sina que o paparica
e se adornasse de sua
própria adrenalina.

Osso à deriva, a dedilhar
seus venenos como uma
visita.

Osso Wilson Bueno.
Ouço sua cítara.

O Jardim, A Tempestade.

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Maria, Maria

Em breve, quando me chamar, quem sabe, a morte, o último cheiro vou levar desta vida será o da açucena. Uma moça estará tomando banho. Olharei por um buraco de fechadura e voltarei no tempo para ser menino de novo.

O calendário está parado numa data imprecisa do começo dos anos 60. Maria, a mulata, nossa diarista, é a moça no chuveiro. O banheiro fica ao lado do quarto dela, nos fundos da casa onde morávamos, na Rua Engenheiros Rebouças, esquina com Westphalen. São dois quilômetros do centro de Curitiba – muitíssimo para a época, uma viagem. O estádio do Ferroviário está à direita. O do Atlético, à esquerda. Nos dias de clássico, dá até pra ouvir a galera.

Jamil Snege, que mais tarde será um grande escritor, mora na mesma rua, 500 metros adiante, mas ele tem uns dez anos a mais, circula em outra turma, a gente quase não se vê. No meu quarteirão, têm casas o palhaço Chic-Chic, do Circo Irmãos Queirolo, e a poetisa Vera Vargas, da Academia Paranaense de Letras. Toda área, por causa de tanta beleza por metro quadrado, é iluminada de fantasia. Chic-Chic pouco aparece, está sempre em turnê. Mas o famoso bandido Carlinhos, genro dele, sempre dá as caras entre uma cana e outra, até o dia em que será morto de tocaia, numa quebrada, na calada da noite, com uma barra de ferro, por dar um tapa na cara de alguém.

A gurizada se diverte assistindo “Os Flintstones” e “Bonanza” pela TV, jogando bolinha de gude e fazendo concurso para ver quem mija mais longe. Um mundo feliz, linear, sem surpresas. Não fazemos a menor idéia de que, lá fora, a ditadura recém-implantada pelos milicos está assassinando brasileiros.

Cem metros acima fica o legendário Bar do Pasquale, ponto de encontro de jornalistas e jogadores, que depois o João transferiu para o Passeio Público. Cem metros abaixo mora dona Valderez, irmã do Vinícius Coelho, o cronista esportivo, que anos depois, na década de 70, vai me arrumar o primeiro emprego, na Rádio Independência – ‘R.I. – a primeira estação daqui’.

Nenhuma dessas doces almas sabe que Maria, a mulata, vem sendo sistematicamente espiada por um garoto taradinho depois do seu expediente. Eu mesmo, o voyeurista. O frestador mirim, desde cedo olhando para os outros sem que eles percebam

Diz a fantasia que, após a terceira vez, Maria ouviu algum barulho do outro lado e, cheia de sestro, passou a se exibir. Não poderia ser por nada que se demorava tanto no chuveiro, nem que se espumava tão provocativamente em paragens tão secretas, cercadas de mistérios e cabelos negros.

Até que um dia, tão de repente quanto possível, Maria abriu a porta e deu o flagra. Foi minha primeira vez frente a frente com uma mulher nua, e minha estréia diante de uma mulher de cabelos molhados.

O que ocorreu então, 40 anos atrás, pode ser uma mentira ditada pelas trapaças da memória. Mas aquele incrível cheiro de açucena ficou até hoje. Era o sabonete Phebo.

Maria tomou-me pelas mãos e levou-me para o quarto, e então eu posso descrever cada suspiro, cada travo, a intensidade de cada batida do coração. A memória não me falhará justo na despedida, de forma que, por favor, foi exatamente daquele jeito, sem tirar nem pôr, detalhe em cima de detalhe, que na solidão daquelas quatro paredes eu visitei o paraíso pela primeira vez.

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Flagrantes da vida real

chuva maringasFalar sobre o tempo em Curitiba é chover no molhado. © Maringas Maciel

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Kelsey Berneray. © Zishy

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(1982) Língua de Trapo – O que é isso, companheiro?

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O PSB está de olho

O PSB está atento às especulações de que Márcio França pode deixar o Ministério de Portos e Aeroportos para dar lugar ao PP ou ao Republicanos. Dirigentes do partido culpam o PT, que se recusa a ceder espaço.

Um dirigente do PSB disse ao Bastidor que apenas um posto poderia compensar a eventual perda do ministério: a presidência da Caixa Econômica Federal.

No ano passado, Márcio França desistiu de disputar o governo de São Paulo em favor de Fernando Haddad, e concorreu ao Senado. Perdeu. O PSB acredita que, se ele tivesse permanecido na disputa, Tarcísio de Freitas não seria governador.

Com isso, a legenda acha que ocupar uma posição de prestígio no governo não é favor. Publicamente, porém, todos dirão que cabe apenas a Lula definir quem ocupará qual espaço em seu governo.

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Correndo o risco

Tiago Recchia, por ele mesmo.

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Tempo

vera-vanessaWanessa Jansen, no show de João Cláudio Moreno, em homenagem a Luiz Gonzaga, na inauguração do Parque Lagoa do Norte, Teresina, 2012. © Vera Solda

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Flagrantes da vida real

Enéas Lour, também conhecido como Lejambre. © Maringas Maciel.

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Sessão da meia-noite no Bacacheri

Em 1962, o diretor francês François Truffaut conduziu uma série de entrevistas com Alfred Hitchcock, publicadas num abundante livro ilustrado, que tornou-se algo como a bíblia dos cineastas. O objetivo de Truffaut era restaurar Hitchcock como artista, um autor, ao invés de um simples mestre de cerimônias. O documentário de Kent Jones, que usa as gravações de áudio daquelas conversas com novas entrevistas com Martin Scorsese, David Fincher, Wes Anderson e outros, não é menos evangelista, argumentando que o livro de Truffaut deveria ser revisto e valorizado junto com seus filmes.

O documentário certamente serve como visão encantadora. Embora a maioria dos cineastas já conheça o texto do livro, é incrível ouvir o áudio daquelas trocas, e as novas entrevistas que aumentam a importância do filme são divertidas, eruditas e de um frescor entusiasmante

Hitchcock/Truffaut|Gênero: Documentário Diretor: Kent Jones|Duração: 79 minutos|Ano de Lançamento: 2015|País de Origem: EUA|França

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Mural da História – 2010

Metaformose|Uma odisséia sobre o imaginário grego. Cartaz sobre foto de Lina Faria|Grupo Delírio Cia. de Teatro

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Amadurecimento

Lula amadurece. Devagar, temperatura tépida na estufa. Prepara-se para ficar maduro. Ou Maduro, para deixar claro. Primeiro, tenta proteger Maduro com eleições supostamente livres na Venezuela; assim cresce no concerto da Europa, como vem fazendo desde que Bolsonaro falou mal da mulher de Macron. Agora, com delicadeza, arma seu grande e harmonioso concerto com o STF. Outrora patrono desconfortável de Sérgio Moro, o STF é todo Lula, por enquanto excetuados os dois ministros terrivelmente bolsonaristas. Lula e o STF, é a mesma coisa, diria a conge deputada sobre o marido e Jair Bolsonaro (palavras proféticas, cujo alcance ela não atinou até hoje).

Depois do julgamento/execução de Bolsonaro todo mundo é Moraes, que ainda será ungido como o candidato palatável da Faria Lima e do lulismo desencantado (José Dirceu já conspira nas sombras). Lula amadurece como Maduro fez ao ter a corte suprema da Venezuela nas mãos. Aqui não haverá tanta entrega, pois a latitude e o preço são outros. O amadurecimento é orvalhado nas lágrimas de crocodilo de Lula sobre a agressão a Alexandre de Moraes em Roma; um xingamento calculado, de nível ligeiramente superior aos de Jair Bolsonaro, secundado pelo ministro da Justiça, que azeita seu acesso ao STF. Lula quer o que Bolsonaro não conseguiu: ministros terrivelmente lulistas.

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Prendi questa mano, zingara…

Eu tinha (possuía) a cama, um bloco de notas e uma caneta. Criado-mudo ou mesinha de cabeceira, não tinha. Nós quatro, numa noite mais caliente, ou calda, participamos de uma orgia sem precedentes na história das fantasias caseiras. Sei que a cigana me enganou.

Disse que eu seria um escritor famoso antes que o galo cantasse. Mas ele foi para a panela quando ainda nem estava al primo canto e eu ainda escrevia sonetos de pés quebrados e mãos tortas. Qual não foi minha surpresa, na manhã seguinte, ao fazer uso dos apontamentos daquela longa noite de envolvimento com o bloco de notas e a caneta, quando descobri que ali estava o esboço de algo que poderia chamar de conto. Enrubesci lendo algumas passagens. Gelei lendo outras. Tinha, além do alto teor de sensualidade, uma linguagem rangente e pegante. Duvidei da possibilidade e tentei imaginar o que havia rolado na noite anterior para que o resultado fosse tão luxuriante. Nuvens carregadas de esquecimento e ressentimento invadiram minha mente. Choveu forte sobre variantes, variáveis, conceitos, ponderações. Para amainar o frisson coloquei um pseudônimo e engavetei.

Profissionais altamente qualificados, no entanto, logo descobriram a farsa e quiseram publicar — e o fizeram — a todo custo numa revista literária de categoria. Uma caixa de supermercados desmaiou ao ler no ônibus. Um corretor de seguros tentou se jogar da sacada da empresa – por sorte não havia sacada. Todas as anchovas fêmeas de um cardume entraram no cio ao mesmo tempo. Um rio subiu a serra e desaguou na nascente. Os membros de um coral começaram a cantar atirei um pau no gato no meio de La traviatta.

Rupert Updergraff comeu duas orelhas do seu cachorro de estimação. Enfim, a repercussão da leitura do conto foi o que foi. Hoje, graças ao bom deus, sou apenas um mediano vitrinista no Braz. Estou consciente de que não se deve cutucar a imaginação com vara longa. Escrevo estas simples memórias sem me lembrar muito bem do que aconteceu. Rechaço blocos de notas e canetas para uma relação duradoura.

*Rui Werneck de Capistrano é autor de vários textos. Inclusive esse.

Publicado em rui werneck de capistrano | Deixar um comentário
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