Mister Wong

A fonte era atrás da Igreja dos Lavados – e fiquei horas num êxtase, língua à brasa de coxas, andando, no pensamento, em torno do poço com erva da tempestade no céu da boca.

Bebi aguardente, benzi pedras e gatos.

Vi, pela primeira vez, o aspecto interior da fonte de água mineral que me envolve e me incita ao linho. Sonhei, chuva a chuva, o abismo em que me precipitei nulo. Escutei em meus tímpanos o bosque de uma voz que desfiava uma barca na correnteza.

Retirei da sombra o meu vazio íntimo, meu ser colossal e banal ao mesmo tempo, e tirei-me a ferros das entranhas de mim mesmo. Devaneio entre o bairro de Água Branca e o bairro dos Paulas. Gozo antecipadamente o prazer de ir tocar as coxas de uma das três mulheres Araxá.

Uma hora estou aqui deitado nas folhas das folhas de relva, outra hora estou lá e pratico ablução com areia embaixo de um baobá, vendo os ângulos algumas vezes cáusticos do absurdum – bato o fino tambor: absurdum, absurdum, absurdum.

Tornamo-nos cadáveres, ainda que falsos, até atingirmos aquele ponto da ilusão em que a própria ilusão se destroça, onde já não distingüimos quem somos, de onde viemos, para onde vamos. Porque, de resto, o que fingimos é isto, fingimos estar vivos e somos cadáveres e não sabemos nunca a nossa origem primordial.

O único modo de estarmos de acordo com essa vidraça – ou a vida –, é estarmos em desacordo com nós próprios e com esses talhos fundos sobre a fauce, como feitos por dentes de garfo.

O absurdo é o divino e eu passo por entre lianas, alcanço o retábulo de pedra e nele adormeço. Acordo para estabelecer a seguinte teoria: o mar assina oráculo na carapaça da lagosta, depois age contra ela, para justificar o quanto é oco esse oráculo e ocas as nossas ações e as teorias que as vivificam.

Talhar uma tainha na nuvem, e logo em seguida soprar as nuvens e seguir por essas alturas.

Ter, nos gestos todos, jorro de água e, no pensamento, uma loja de cristais; gestos aquáticos e o inferno é esse gato persa que penetra surdamente na loja de cristais e os cristais – tensos todos – confidenciam que nem somos gato persa e talvez sejamos todos esse Mister Wong que tecla ao piano dois tufões.

Adquirir um livro para ler nas páginas desertas a pétala, o salmão e, se pétala de salmão é escama, também é selo de poesia. Ir a concertos para não escutar os cellos suntuosos de Brahms nem para ver o Mister Wong que sempre lá está (no auditório de um concerto, todo calvo é sempre o Mister Wong); dar longos passeios por cima das ondas, andar no bosque vazio por estar farto de andar no bosque vazio e ir passar domingos com a cabeça embaixo do travesseiro só porque ali o céu não nos aborrece.

Agora que me oprime a roda-de-ferro na fronte, aquela angústia antiga me conta que chovem fios de mel na carpa, por vezes bebo o andamento delas num aquário e respiro deitado numa das longas folhas da bananeira. E como, ao sair Mister Wong do casario, o vento verificasse que a garrafa de vinho ficou pela metade, o vento bateu com a cortina na garrafa, aliviou-a de repente de seu líqüido e o vento se afastou.

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Pés no chão

Parodiando Lina Faria, baixo retrato, caminhada matinal para apanhar o jornal. 24|9|2009

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kodama-bioO primeiro lançamento da Editora Boom das Biografias, breve nas melhores casas do ramo.

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Angela Davis

© Getty Images

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Tutti-Frutti

Suicídio é uma maneira de dizer à Deus: “não precisa me despedir, eu me demito”

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Quem é quem

Hermínio Macêdo Castelo Branco, Mino, correndo o risco. Leia mais aqui!

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Emílio de Meneses

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O TSE imita a arte para punir a vida

Friedrich Dürrenmatt (1921-1990), suíço de língua alemã, dramaturgo e romancista, é autor de O juiz e seu carrasco, novela clássica com alegoria irônica sobre a justiça. Temos boas traduções, a antiga, da Editora Globo, a recente, da LPM, também as disponíveis em pdf. Curta, envolvente, fisga o leitor por toda a vida (li três vezes). A trama lembra ao longe e sob as devidas reservas o drama de Deltan Dallagnol: o comissário Bärlach, roído pelo câncer, é incumbido de investigar a morte de um policial. Incumbe seu assistente, Tschanz, de investigar, mas direciona o processo para atribuir a culpa a Gastmann, milionário de passado nebuloso, na juventude amigo de Bärlach.

Gastmann era criminoso sempre impune, rico e influente. Bärlach carregava ódio e frustração porque assistira quando Gastmann, décadas antes, matara amiga diante dele, Bärlach sem outro motivo que não o de demonstrar que ficaria impune; como aconteceu, investigado pelo jovem policial Bärlach. Incriminado e prestes a ser julgado, agora pela primeira vez na vida, Gastmann queixa-se ao velho amigo, hoje seu juiz moral, de que este sabia não ter sido ele autor deste último crime. Bärlach concorda, e acrescenta: “escapou do crime que cometeu; não escapará do crime que não cometeu”. Não fossem os assassinados, seria justiça poética, dentro do ambiente ficcional com que Dürrenmatt examinava a natureza humana.

Deltan Dallagnol foi cassado – justiça poética – pelo crime que não cometeu: pedir exoneração do cargo para escapar de punição disciplinar e disputar mandato de deputado. Não foi o autor deste crime, de resto inexistente; pode ter tido a intenção de cometê-lo. Se não existe crime de intenção, quem teria cometido crime de que foi acusado? Foram aqueles que concederam a exoneração pendente processo disciplinar e os que admitiram sua candidatura, apesar daquele motivo. A PGR fechou os olhos, toldados pelo espírito de corpo, pois ali Dallagnol brilhou no céu para arder no inferno. A exoneração não é deferida pelo interessado, mas por aquele que lhe atende o pedido. Esse atropelo custará o mandato de Dallagnol.

O TSE imitou a arte pretendendo retratar a vida, de propósito ignorando a falha da sua justiça eleitoral no admitir o registro da candidatura de Deltan Dallagnol. O TSE funcionou como o comissário Bärlach, ao punir Dallagnol não pelo pedir a exoneração, que em absoluto foi crime como o de Gastmann. Dallagnol foi punido por crime mas antigo, o de ser o manda brasa, Savonarola, um Marat ensancedido na Lava Jato, que ousou o protagonismo de denunciar políticos e ousar sugerir desvios de comportamento de ministros de tribunais superiores. E o carrasco, quem foi? Está no fim do livro de Dürrenmatt. Aqui de novo a alegoria irônica sob o véu da justiça poética.

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Preta

enéas-lour© Solda/© Carlos Drummond de Andrade/© Enéas Lour

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Trumpstão…

Donald Trump. © Kevin Lamarque|Reuters

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Ohne worte!

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A menina de Caicó

“Cecília não é um cachimbo”, primeiro livro de contos de Assionara Souza em segunda edição. Um trabalho magistral da Arte & Letra. E belíssimo. Apresentação de Luci Collin.

Sobre a autora: Escritora, nascida em Caicó/RN em 14 de outubro de 1969. Formada em Estudos Literários pela Univerdade Federal do Paraná, foi pesquisadora da obra de Osman Lins (1924-1978). Autora dos volumes de contos Cecília não é um cachimbo (2005, 1ª edição), Amanhã. Com sorvete! (2010), Os hábitos e os monges (2011), Na rua a caminho do circo (2014) – contemplado com a Bolsa Petrobras, 2014; e Alquimista na chuva (poesia, 2017). Sua obra tem sido publicada no México pela editora Calygrmma. Participou do coletivo Escritoras Suicidas. Idealizou e coordenou o projeto Translações: literatura em trânsito [antologia de autores paranaenses]. Estrou na dramaturgia escrevendo a peça Das mulheres de antes (2016), para a Inominável Companhia de Teatro. Morreu em 21 de maio de 2018, em Curitiba/PR.

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Flagrantes da vida real

RádioCaos, em algum lugar da cidade. © Maringas Maciel

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Moeda de troca

Cercado por CPIs, Lula se vê sob olhar complacente da base

Se dependesse da vontade de gente séria do governo e da oposição, a comissão mista do Congresso para a alegada apuração dos fatos já investigados em inquéritos sobre o 8 de janeiro subiria no telhado e lá ficaria em eterno descanso. A má vontade é evidente.

Na impossibilidade de recuo, a comissão será instalada junto a outras três (MST, fraudes nas apostas de futebol e Americanas) criadas na Câmara e mais uma (abuso de autoridade) proposta na Casa comandada por Arthur Lira.

Governo nenhum gosta de CPI, o que dirá quatro, quiçá cinco. São instrumentos da minoria —normalmente residência de oposicionistas— e, portanto, carregam o potencial de provocar danos aos locatários do poder em curso.

O problema não está só na imprevisibilidade dos desfechos, mas também, às vezes principalmente, nos rumos dos trabalhos e nos usos que se venham a fazer deles.

Há inúmeros exemplos no Parlamento de comissões criadas apenas para servir a interesses de ocasião. Moedas de troca que, como vêm, vão depender do êxito ou do fracasso dos operadores do escambo e da força dos lobbies.

Daí o empenho habitual em evitá-las. Daí também a estranheza com o misto de inépcia e inércia dos aliados (os fiéis, diga-se) de Lula em tirar tal obstáculo do caminho.

Mesmo desgastado pelo trato nefasto da pandemia, Jair Bolsonaro postergou e só não conseguiu levar a CPI da Covid do banho-maria ao arquivo porque o Supremo Tribunal Federal obrigou o presidente do Senado a parar de se fazer de desentendido e ler o requerimento de instalação.

Em menos de cinco meses, Luiz Inácio da Silva já se vê sob cerco de CPIs e sob olhar complacente da base. Respeito à minoria? Certeza de que vão se perder no palco da lacração? Não pensam assim governistas em experiência de outros carnavais.

Suspeitam de que pode haver menos interesse em investigar que em espreitar a hora certa de chantagear.

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