Loja do Mito

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Capital de estadista

O bolsonarismo teme que ao retardar seu retorno ao Brasil Jair Bolsonaro comprometa seu “capital de estadista”. Perdoai-os, Senhor, eles não têm a mais esquálida noção do que é um estadista. Não custa explicar, embora eles dificilmente aprendam, aquele lance de dissonância cognitiva. Há estadistas de todos os tipos e tamanhos; é o povo quem os escolhe, tolera ou aguenta.

Idi Amin Dada, o ditador de Uganda, era considerado estadista, tanto que, depois de derrubado, foi acolhido pela Arábia Saudita, que lhe garantiu casa, comida e proteção contra o Tribunal de Haia até o dia de sua morte. Amin preservou seu “capital de estadista” – na geladeira, onde armazenava partes dos corpos dos adversários, que depois comia.

Bolsonaro só não foi um Idi Amin por falta de ditadura. Por isso não chegou a comer carne humana. Mas incrementou seu “capital de estadista” com os milhares de mortos pelo covid e pelas centenas de yanomamis a quem condenou à morte por inanição. A fora a questão de estadista, o verdadeiro capital de Bolsonaro começa a minguar sem rachadinhas e cartão corporativo.

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Eu quero é ódio!

© Borka

Decidi ser preconceituoso, e vou levar até o fim a minha decisão. Vou começar pelos argentinos. A partir de hoje, passarei a odiar os nossos vizinhos. Deixarei de ler Borges, comer empanadas e ouvir Piazzolla

E agora fica todo mundo falando que a gente precisa de mais amor e tolerância, de mais respeito, de mais isso, mais aquilo. Pois eu cansei. Decidi ser preconceituoso, e vou levar até o fim, com coerência, a minha decisão. Vou começar pelos argentinos. A partir de hoje, passarei a odiar nossos vizinhos. Vou sofrer, pois, para ser coerente, deixarei de ler Borges e Cortázar. Nunca mais olharei para uma charge de Quino, não comerei empanadas e não ouvirei Piazzolla. Também odiarei os judeus, e se o preço a pagar for não ouvir Bob Dylan, não ler a poesia de Robert Pinsky e Mark Strand, os livros de história de Eric Hobsbawm e Tony Judt e ignorar a existência de Marx, Freud e Einstein, fazer o quê? E preciso ser coerente.

Vou odiar os negros! Verdade, vou sofrer sem os poemas de Aimé Césaire e Amiri Baraka; jamais ouvirei novamente B. B. King, Bob Marley, John Coltrane e Miles Davis. Não sei o que farei para assistir a jogos de futebol em que negros participem, mas, se precisar, eu deixo o futebol para trás. E não pensem os árabes que eles escaparão da minha ira: vai ser difícil, eu sei, pois o pior não será ficar sem esfirra, quibe cru e As mil e uma noites. O pior será levar a vida sem utilizar os algarismos arábicos. Mas tudo bem, vou tratar de aprender a fazer conta com números romanos. Odia¬rei os gregos atuais e os antigos, e para o lixo com toda aquela bes- teirada de Sófocles, Sócrates, Aristóteles e cambada.

Africanos, eu odiarei de norte a sul, do Cairo à Cidade do Cabo, a começar por Nelson Mandela. Japoneses, vocês estão na minha lista: nunca mais comerei sushi, verei um filme de Kurosawa ou lerei um romance do Soseki. Na China o meu rancor e rompimento começa mais longe, com os poetas da dinastia Tang, como Tu Fu e Li Po, que abandonarei para sempre. Indianos, mexicanos e turcos, vocês todos serão odiados. Se o preço para odiar os havaianos for renegar o surf, eu pagarei. Ah, os americanos! A partir de hoje, que ódio eu terei deles! Nunca mais ouvirei ou lerei uma palavra em inglês nem usarei qualquer equipamento que tenha, de uma forma ou de outra, vindo de lá. O que quer dizer que eu não usarei com­putador, não falarei ao telefone e não viajarei de avião. Não assis­tirei aos filmes deles, a começar pelos do odioso Woody Allen. Sofrerei sem os poemas de Robert Creeley e Denise Levertov, mas para tudo dá-se um jeito. Tampouco suportarei a presunção dos europeus, e odiarei tudo deles, incluindo o chocolate suíço, o teatro de Shakespeare, a cerveja alemã, a literatura irlandesa, o vinho francês e a pizza italiana. Nunca mais Tolstói e Nabokov. Espa­nha? Não quero mais saber de Penélope Cruz. De Portugal, deixa­rei de lado a Teresa Salgueiro, a alheira e, principalmente, a língua. Chega dessa porcaria de português. Xz#&khswg*3tqü!

Só e feliz

Vou odiar todos os brasileiros. Não ouvirei mais Caetano e Skank, não lerei Machado de Assis, não comerei tutu à mineira. E tenho um ódio especial reservado aos ciclistas, aos pedestres e aos moto­ristas, independentemente da nacionalidade. Nenhuma religião es­capará da minha ira, nem mesmo o meu próprio ateísmo. Também odiarei os gays, e ai de mim se eu me pegar novamente cantarolan­do alguma cançãozinha do Cole Porter: a autopunição, acreditem, será exemplar. E, muito especialmente, odiarei as mulheres, esses seres tagarelas, inferiores e mensalmente hemorrágicos. Nunca mais falarei com uma mulher. Nunca mais olharei para uma. Elas vão ver só o que estarão perdendo!

Chega de amor, tolerância e respeito. Se é tão óbvio que a pluralidade nada acrescentou ao mundo, por que é que as pessoas ainda ficam insistindo nessa ladainha? Como odiarei tudo e todos, ficarei só, feliz, eu comigo mesmo. Ou não. Caramba, me dou conta agora: como o preconceito, o ódio e a intolerância dominam o mun­do, haverá milhões de pessoas querendo me fazer companhia. E eu, que odiarei também os que odeiam, vou ter que mandar todos à merda. Só não sei ainda em que língua.

*André Caramuru Aubert, 53 anos, historiador, editor e autor do romance A vida nas montanhas. Seu e-mail é andre.aubert@hotmail.com

Revista Trip|245

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A árvore do conhecimento

Estimular a paixão pelos estudos a partir de interesses e aptidões dos alunos é a semente que gera frutos no ensino superior

O escritor de ficção científica Isaac Asimov disse, durante entrevista em 1988, que o processo de ensino-aprendizagem ideal é aquele que foca no interesse individual do aluno.

Mas não seria um problema se a criança quisesse aprender apenas sobre beisebol? Eis a resposta de Asimov: “Tudo bem. Quanto mais você aprende sobre beisebol, mais pode se interessar por matemática ao tentar entender as médias estatísticas de rebatidas. Pode até mesmo acabar mais interessado em matemática do que em beisebol”.

Esse é o princípio da Escola da Ponte, que é pública e foi fundada em 1976, em Santo Tirso (Portugal). Lá, não há salas de aula e classes separadas por idade. Pequenas turmas são formadas a partir dos interesses dos estudantes, que são incentivados a buscar conhecimento de forma autônoma através de pesquisas. A ideia é ensinar a aprender, partindo das aptidões individuais das crianças.

Quem gosta de marcenaria acaba pesquisando geometria para criar móveis mais estruturados e, depois, se interessa por arte, para implementar inovações estéticas.

A reforma do ensino médio no Brasil tenta seguir essa ideia, com itinerários de aprendizagem e disciplinas optativas escolhidas pelos jovens. Mas a teoria esbarra nas péssimas condições da educação no país.

Tal mudança exige contratar professores, investir na especialização da categoria, melhorar salários, oferecer espaços físicos com equipamentos para oficinas e laboratórios etc. Daí as reclamações, justas, de pais, alunos, professores e gestores.

O problema é que o Brasil inverte prioridades. Segundo relatório da OCDE, aqui, o gasto anual por aluno no ensino superior é de U$ 14.202 e, no ensino fundamental e médio, de U$ 3.866. Já nos países desenvolvidos, gasta-se em média U$ 16.100 e U$ 9.300, respectivamente.

De modo insensato, queremos colher frutos de uma árvore sem raízes. Talvez devamos cuidar primeiro da semente, que é estimular a paixão pelo conhecimento, através das aptidões dos alunos, desde cedo.

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Elas

Redbird. © IShotMyself

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Fraga

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Black and white

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Rogério Dias

Acrílica sobre tábua de carne – 21 x 14cm, 1980.

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© Jan Saudek

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Gilda em camisa-de-força

Eu sonhei que saíram meninas
Na Banda Polaca
De topless
Rebolaram pelas esquinas
Na Banda Polaca
De topless
Sonhei que estouraram champanha
Pra comemorar
Mas chegou uma gente estranha
E acabou com a finesse
Ainda bem que veio a turma da Saldanha
Pra gritar
Quem pegar no topless apanha
Quem pegar no topless apanha
Não deram bola
E quebrou o maior sururu
Debaixo da Confeitaria Iguaçu
Eu sonhei
Ainda bem que eu acordei

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O que há para ouvir

The Best Of – Quatro Oásis e uma Moringa – LP Orfeeu/Epa. Os maiores sucessos da dupla que encantou a juventude da década de 30 em todo o mundo. Este quarteto, que na verdade nunca passou de um trio apoiado num só elemento que adotava pseudônimo nas gravações, misturava jazz com batida de maracujá, ragtime com miado de gato e samba com presunto acebolado durante os demorados ensaios num velho galpão abandonado à própria sorte pelo proprietário, um disc-jockey aposentado por invalidez (perdeu a voz num jogo de pôquer). Neste vinil podemos relembrar a nostálgica “Canjica impiedosa”, em solo de pente com papel de seda; a tradicional “Bolo de sardinha dá dor na barriga da perna”, toda executada em prancha de surf. As composições de Serzedello Fortunatto retratam uma época de ouro para os plantadores de manjerona com escoliose lombar (convecção à esquerda). Um lançamento de primeira água, reproduzindo os sons que eram a coqueluche de qualquer convescote.

35 Hits Internacionais -Diversos – Lp Top Top/Hic. Acetato vendendo a febre dos hits internacionais, incluindo Come on, baby; Let ‘s go, baby; Go on, baby e a já tão consumida She’s my baby. O que ninguém entendeu ainda é como as gravadoras conseguem espremer 35 musiquinhas tão medíocres num disquinho desses, a ponto de vazar quatro ou cinco pelo controle de agudos. De brinde, um compacto simples com 18 sucessos do passado, o que prova que saudade não tem idade nem vergonha na cara.

Solução para a Farofa – Farinha na frigideira – Lp Oboé/Riscado. Finalmente lançado no Brasil este disco tão importante para a música escandinava. Quatro brasileiros radicados em Santa Catarina que conseguem ressuscitar a viola de 32 cordas (duas fininhas e três quase arrebentando), o pandeiro sem armação, privilégio de tão poucos músicos nordestinos, e a retangularidade da clave de sol em dias de chuva. Praticamente em início de carreira, os componentes do Farinha na Frigideira não conseguem executar coisa alguma em nenhuma faixa deste enfadonho lp, que nunca deveria ter sido lançado. Uma idiotice chamada “Resfolegando à beira da piscina “ é capaz de levar qualquer animal de estimação à loucura total, até mesmo a perda da estima. “Tatu-canastra” gravada originalmente em latim arcaico, não passa de um plágio descarado de “Pelo telefone”, do saudoso Donga.

Farrapo Humano – Língua com Ervilhas – Lp Wenha/oba. Banda de rock pauleira que defende a consoante gutural explosiva, terceira letra do alfabeto. Único grupo do Brasil que possui a gaponga, um instrumento feito de osso de peixe-boi, preso por uma linha à ponta do caniço, para se bater na água imitando a queda de um fruto, a fim de atrair o peixe. A melhor faixa é sem dúvida a explosiva “Bignoniáceas’; inteiramente gargaçalada com curare e pisco da Bolívia, contando ainda com a participação de Gardingo, músico de classe nobre, entre os visigodos. A olho nu é quase impossível distinguir melodia e letra, porque a paréctase (adjunção de elementos fônicos intermédios, para tornar eufônica uma palavra) é muito mal executada pelo organista que, em geral, nunca comparece às gravações. O sentido das canções tem relação direta com o assunto principal da frase. Elepê que deixa muito a desejar, em se tratando de tão bem trabalhado (todo em paetês, com diamantes escorrendo pela lapela, quase atingindo o chão) e que teve como produtor o pajé da tribo. Mas vale a pena (branca) ouvir.

South Soul– James Badfoot – Lp Bobo. Cantor americano que nunca conseguiu fazer sucesso em parte alguma. Antigamente gravava com Bob Bobber e Bob Topper, dos Bob Brothers. Esteve envolvido em casos de gravação pirata e foi preso em alto mar, passando dois meses e cinco dias ouvindo o primeiro disco da dupla Sonny & Cher, além de ser obrigado a pagar a fiança de 400 cruzeiros, dos bem antigos. Não altera nem inova, o moço. É um dos ídolos do movimento Black Rio, o que não quer dizer absolutamente nada.

Prof. Thimpor – Jornal Raposa, 1980.

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Adultério é isso que liga três pessoas sem uma saber.

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Fantasmas-Dependentes

Marx escreveu em algum lugar que pessoas à beira de uma mudança radical em suas vidas tendem a buscar no passado uma legitimação do presente. Assim os líderes da Revolução Francesa decidiram que, em vez de autores da grande novidade republicana, preferiam ser lembrados como democratas romanos redivivos. Robespierre e o resto da turma chegaram a pedir que, nos seus retratos oficiais, aparecessem usando togas.

A ideia era recuperar o “espírito” de uma época iniciando uma época nova, que assustava, pelo ineditismo, até seus fundadores. A audácia do ato inaugural da nova era – um rei deposto e depois decapitado – precisava de um precedente. O presente precisava de um passado para autenticá-lo, ou perdoá-lo. No seu livro Ulysses and Us, o professor de literatura irlandesa Declan Kiberd, que desenterrou a citação de Marx acima, usa a imagem de César botando a máscara de Alexandre para ser um César certificado.

Shakespeare, num solilóquio de Hamlet, chama a morte de terra inexplorada da qual nenhum visitante jamais voltou. Mas para efeitos de enredo a peça necessita de um morto que volta, e ele aparece como o pai de Hamlet, o “espírito” necessário, na forma de fantasma. É ele que guiará a trama até o desenlace, em que será vingado pelo filho. Que também morrerá, dizendo para o amigo Horácio, que quer ajudá-lo, “Let it be, Horatio”, muitos anos antes dos Beatles. E depois, com o último suspiro: “O resto é silêncio”.

O livro do professor Kiberd, como diz o título, é sobre o Ulysses, de James Joyce, e seu impacto na literatura e na vida de quem o leu, ou tentou ler. Um consolo para quem não conseguiu chegar ao fim, ou ao “sim” final, de Ulysses, é saber que o livro seguinte de Joyce, Finnegans Wake, enlouqueceu muita gente que quis escalá-lo sem a assistência de guias sherpas. O professor escreveu que Shakespeare e Joyce são exemplos de autores que mudaram radicalmente a linguagem literária e socorreram-se no passado para sustentar sua ousadia, Shakespeare recorrendo a vidas históricas convenientemente distantes no tempo, Joyce ao manancial de tipos e mitos com o epicentro em Dublin. E os dois fantasmas-dependentes.

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