A polarização não acaba aqui

Ainda teremos longos anos de agressividade não apenas no campo político, mas também no mundo da vida

O Brasil elegeu um novo presidente. No momento em que escrevo, o pleito ainda não foi encerrado, mas, na última semana, pensei que, independentemente do resultado, o lado bom seria acabar com toda essa agressividade que vimos durante uma das campanhas mais polarizadas da história recente do país. Todavia meu otimismo logo levou uma rasteira da realidade. A violência não findará. O estrago causado pela polarização política entranhou-se na cultura brasileira.

Isso porque, em vez de criar problemas novos, preferimos manter os antigos. Que respiro seria um governo que pelo menos nos tirasse dessa oscilação infrutífera entre PT e Bolsonaro. Que alívio seria focar nos problemas que de fato afetam a população, em vez de ficar discutindo abstrações como fascismo e comunismo.

O descalabro não se restringiu apenas à campanha eleitoral, invadiu o cotidiano: pais brigaram com filhos, casais se separaram e amizades foram desfeitas. Esse fenômeno resulta da ideia, em voga nos anos 60 e 70, de que “tudo é política”. O que você come, a música que escuta e até o sexo manifestariam uma ideologia.

Essa forma de encarar a política é, na verdade, um puritanismo laico: todo e qualquer aspecto da vida é ocasião para dar glórias a um político ou a uma causa. Qualquer filigrana cotidiana pode ser um pecado que exige penitência.

O estrago está feito e não há vislumbre de mudança no horizonte próximo. A oposição ao eleito continuará raivosa e a polarização ainda perturbará a vida do cidadão que quer apenas emprego, botar comida na mesa e se divertir aos domingos.

Milan Kundera, em ensaio no qual trata justamente da politização da vida e dos afetos diz que “a ferida mais dolorosa é a das amizades feridas, e nada é mais tolo do que sacrificar uma amizade pela política”.

Se o escritor que viveu a “Primavera de Praga” acha isso, talvez tenhamos o dever de aprender a conviver com nosso avô reacionário ou com aquele amigo comunista dos tempos da faculdade nos próximos anos.

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Quaxquáx!

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rustyrails_151rustyrails_151 – © IShotMySelf

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Lula lá!

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Um domingo em nossa vida

Domingo pode ser o fim da era Bolsonaro. Duas visões de Brasil muito diferentes se encontram. A possibilidade de mudança é alta. Bolsonaro já foi derrotado no primeiro turno. Derrota inédita para um presidente em exercício.

Os fatos neste final de campanha parecem confirmar a tendência de derrota. O primeiro deles foi a frase de Bolsonaro confessando uma atração sexual por uma refugiada venezuelana de 14 anos: “pintou um clima”. Para um líder político que se diz defensor da família, dos bons costumes e da religião, a frase de Bolsonaro é escandalosamente contraditória. Seria o mesmo que um líder na luta contra a corrupção aparecer com milhares de dólares na cueca.

Mesmo sem pressão da mídia e da campanha opositora, o fato ganhou as redes e, num primeiro momento, produziu 1,5 milhão de postagens. Bolsonaro afirmou que as meninas venezuelanas estavam se preparando para se prostituir. Falso. Isso também causou revolta.

No âmbito político, o caso Roberto Jefferson, do princípio ao fim, é negativo para a campanha de Bolsonaro. As três granadas que lançou contra os policiais acabaram explodindo também no colo de seu aliado.

No fim de semana, Jefferson, em nome da liberdade de expressão, lançou um ataque repugnante contra a ministra Cármen Lúcia. Ele estava proibido de usar a internet, de dar entrevistas e receber políticos, mas fazia tudo isso. O ataque em si, pelas características repulsivas, invalidava a chamada luta pela liberdade dos bolsonaristas, que, de fato, queriam como tática apenas esticar a corda contra o Tribunal Superior Eleitoral (TSE), produzindo mentiras e atraindo a repressão.

Uma demonstração mais nítida dessa tática foi a de um pastor em Minas Gerais que falsamente se disse obrigado a desmentir uma notícia pelo TSE. Era uma forma sensacionalista de divulgar fake news.

A resistência armada de Jefferson ferindo dois policiais é uma demonstração extrema do absurdo da política bolsonarista. Ele atraiu a Polícia Federal, ao provocar a própria prisão, e a recebeu a tiros de fuzil e explosão de granadas.

A tática de provocar o TSE e, mais ainda, a superutilização de armas revelaram como o bolsonarismo é perigoso no descumprimento da lei e na resistência armada.

Muito possivelmente, Jefferson, um homem doente, queria provocar um confronto armado e aparecer como uma vítima da luta pela liberdade, tumultuando a última semana de campanha. Foi um gesto desesperado, felizmente neutralizado porque o agressor foi preso sem nenhum arranhão.

Dois policiais ficaram feridos, assim como um cinegrafista espancado por manifestantes da extrema direita.

Depois de anunciar que mandaria o ministro da Justiça negociar a prisão de seu aliado, Bolsonaro recuou no princípio da noite. Recuou mal. Tentou se desvincular de Jefferson afirmando que nem foto dos dois juntos existia. Elas apareceram em abundância muitos depois, revelando mais uma mentira presidencial.

No campo econômico, a notícia-bomba foi o plano de Paulo Guedes de desvincular o salário mínimo da inflação – desindexar, na linguagem técnica. Isso foi tentado, sem êxito, na ditadura miliar. Hoje, representaria uma perda de 10% no salário mínimo e prejudicaria também os aposentados. Pesquisas indicam que 80 milhões de pessoas podem ser afetadas.

Com um desempenho desses na reta final, é possível dizer que Bolsonaro não reuniu condições para virar o jogo.

No entanto, as mudanças que se aproximam não podem ser vistas como um amanhã luminoso. Há muitas dificuldades no horizonte. Em artigo anterior, mencionei a conjuntura internacional marcada pela guerra na Ucrânia e pela crise energética na Europa.

O País sairá dividido da eleição. A mesma artilharia eletrônica que produz fake news em massa na campanha pode ser orientada contra o novo governo.

Não caberia apenas ao novo presidente conduzir um processo de pacificação, mas é uma tarefa de todos os que respeitam o resultado das urnas e querem virar a página da intolerância que dominou o País.

Existe uma possibilidade de avançar cautelosamente e isolar a extrema direita. Separar conservadores de reacionários, religiosos bem intencionados de líderes espúrios do tipo Bolsonaro e Jefferson.

Da mesma forma que apenas um presidente não basta para o processo de pacificação, autoridades não bastam para conter o processo de fake news. É preciso um esforço social que passa também – como já ocorre em alguns países – por cursos ensinando as pessoas a se defenderem das fake news, produzindo seus próprios filtros. É preciso que elas tenham uma espécie de roteiro bem desenhado para encarar as notícias que chegam e aplicar a elas um método ao qual a maioria das fake news não resiste.

Embora boatos sempre existiram na política, a chamada realidade alternativa foi inventada pela extrema direita, da mesma forma a tática de mentir para bolhas sabendo que elas não entram em contato entre si. O método celebrizado no Brexit, a saída da Grã-Bretanha da Europa, ampliou-se e ficou mais sofisticado. Não bastará, portanto, isolar politicamente a extrema direita, mas encontrar antídotos sociais para o seu veneno.

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Você pode ser o próximo

A equipe eleitoral de Jair Bolsonaro lamenta o prejuízo que a deputada Carla Zambelli trouxe à reeleição do presidente ao perseguir em São Paulo, em pleno dia em rua movimentada – ela e seu segurança, ambos armados e em posição de tiro – o homem por quem diz ter sido ofendida. O suposto ofensor, homem negro, encontrava-se desarmado. Sejamos indulgentes com a deputada; ela foi coerente, no modo Bolsonaro, no modo Roberto Jefferson, que descarregou 50 tiros de fuzil na polícia federal, dias atrás. Logo a equipe reeleitoral… Seu líder, Fábio Wajngarten, ex-ministro da Propaganda de Bolsonaro, fez o mesmo há dois anos, quando sacou arma para afugentar e prender assaltante até que a polícia chegasse; de dia, em plena rua. Jefferson, Carla e Wajngarten seguem o ethos bolsonarista do amor às armas, para eles o sucedâneo da segurança pública.

Ao interessado proponho a leitura da página 47, vinte linhas, do ensaio de Miguel Lago, cientista político e professor brasileiro na Sorbonne; um livro atualíssimo e didático: Linguagem da Destruição, A Democracia Brasileira em Crise, no livro em parceria com Heloísa M. Starling e Newton Bignotto. Jefferson e Zambelli nada mais fazem que agir com o desembaraço do estímulo de Jair Bolsonaro ao propagar comércio, posse e uso de armas com o decreto que afastou o Exército do respectivo controle. Além disso não esqueçamos que o presidente exibe-se continuamente com metralhadoras e fuzis, chegando a informar que dorme com pistola sob o travesseiro. E como esquecer o escárnio institucional da foto dele e os quatro filhos em seu gabinete no Planalto, com o filho Eduardo, deputado federal, a pistola ostensiva e desafiadora, visível no cinto.

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Lula lá!

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Playboy|1960

1961|Heidi Becker. Playboy Centerfold

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O beijo da mulher que arranha

Cássia Kiss embarca no ódio bolsonarista e critica os casamentos homoafetivos, que não produzem famílias. Aqui se faz, aqui se paga: não passou um dia antes que a atriz Lúcia Veríssimo publicasse a foto do kiss que recebeu de Cássia. Um beijo tão intenso quanto homoafetivo. Lúcia, homoafetivamente bem casada, ainda sapateou: “foi de Cássia a iniciativa do beijo”.

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Navegar, com Lula, é preciso

Votar no ex-presidente é a chance de reencontrarmos o território dos nossos sonhos

Neste domingo, vote como quem mergulha no fundo do oceano para nos resgatar de um naufrágio. Muitos navegantes, antes de nós, foram abatidos pelas tempestades, mas deixaram traçadas as rotas de navegação e o mapa-múndi dos nossos desejos de nação.

Vote por eles, construtores de Brasil, que tiveram a ousadia de projetar a pátria soberana. O país da educação e da ciência, de Darcy Ribeiro, Anísio Teixeira e Paulo Freire. De Oswaldo Cruz e de todos os sanitaristas, de Nise da Silveira, de Milton Santos e de Josué de Castro, que apontou a chaga mais dolorosa, a fome, ainda a nos atormentar.

Vote no país de projetos interrompidos, de Getúlio, Jango e Tancredo, que, de alguma forma, foi traduzido na Constituição de 1988, sob o comando de Ulysses. O Brasil de militares heróis, sim, nacionalistas e democratas, e cito apenas dois deles, o brigadeiro Rui Moreira Lima e o capitão Sérgio Miranda de Carvalho.

A urdidura de Brasil não existiria sem os irmãos Villas-Bôas e sem a altivez que resiste em Raoni, Ailton Krenak, Davi Kopenawa e em sua recusa da miragem colonizadora, que nos reduz a rios de mercúrio, raízes arrancadas e toras desgarradas na floresta. Vamos votar como eles, que plantam árvores e protegem nascentes, para saciar nossa fome de vida.

Nossa fome de beleza vive em Pixinguinha e Cartola, Noel e Caymmi, em Tom e Vinicius, em Drummond e Amado, em Callado e João Cabral, no violão do João, em Chico e Milton, em Gil e Caetano. Sai das entranhas do Brasil na voz de Clementina. Explode na poesia de Solano Trindade: “tem gente com fome, tem gente com fome (…) se tem gente com fome dá de comer”.

Navegantes, suportamos a tormenta agarrados a pedaços da embarcação. Alcançamos terra firme, lançados de volta às praias pelas marés. Votar em Lula é a melhor chance que temos para reencontrar o território da nossa obstinação e dos nossos sonhos. Para que possamos, enfim, completar esse esboço de país.

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Foi você?

A Peidofilia é um gravíssimo distúrbio psiquiátrico que leva seu portador, o peidófilo, a filiar-se à abominável prática de aspirar a flatulência própria e alheia.

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Lula lá!

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