Não sei o que são tethers, scammers, NFT, metaverso e a geração Tang Ping
“Perdi as economias de uma vida”, disse Aline, infeliz vítima de um criptorom —golpe amoroso pela internet—, à repórter Paula Soprana, na Folha do dia 5 último. Em março, recém-descasada, Aline entrou num aplicativo de namoro e se deixou atrair por um homem sensível e romântico. O qual, dizendo-se inglês e em Londres, convenceu-a de que era um investidor financeiro e a induziu a fazer uma aplicação em criptomoeda numa corretora internacional. Naturalmente, fictícia, o que ela só descobriu R$ 605 mil depois.
O caminho para depenar Aline passou por uma exchange inexistente que dizia trabalhar com bitcoins e ainda lhe aplicou o golpe das taxas falsas a serem pagas em USTD, sigla para tether, moeda digital atrelada ao dólar. O golpe foi confirmado pelo site Scamosafe, que detecta a veracidade de sites de investimentos, e por uma cientista de blockchain da empresa de tecnologia Avanade, especializada em criptoativos. Vários leitores solidarizaram-se com ela, alertando-nos para esses financial traders e falando em scammers e catfish. O mundo não está para monoglotas.
Exceto pelo fato de que não frequento aplicativos de namoro, eu também poderia ter caído nessa história. Até ler a pungente reportagem de Paula, nunca tinha ouvido falar em criptorom, tethers, blockchain, scammers e catfish. Na verdade, até hoje não sei nem o que é uma bitcoin. Meu inglês, suficiente para ler Chaucer, leva zero diante desse novo léxico. Meu português também.
Minha alienação não se limita a transações virtuais, sejam amorosas ou financeiras. Cobre toda uma gama de novidades. Não sei, por exemplo, o que é NFT —abreviatura de nonfungible token, ou token não fungível, como acabam, em vão, de me soprar. E não faço ideia do que sejam TikTok, metaverso e a geração Tang Ping.
Pensando bem, é maravilhoso. Minha ignorância beira a beatitude. Nem tem graça me tapearem.
Aos 17 anos passei 40 dias com a família na Europa.
Meu pai era uma pessoa bastante pragmática em relação a turismo. Para ele era preciso listar o essencial e cumprir as metas propostas. Por exemplo, na listagem dele de Paris havia Torre Eiffel, Arco do Triunfo, Louvre e Galerias Lafayette. Uma vez visitados, nós já poderíamos pular para Londres e bater ponto no Palácio de Buckingham, Trafalgar Square e Abadia de Westminster.
Creio que, em 15 dias de périplo, já havíamos ticado todas as atrações contempladas pelo meu pai. Foi quando começou a sobrar um tempinho para atividades fora da planilha.
Aproveitei uma tarde sem programação pré-fixada e me meti numa loja de discos londrina. Não era uma mega-store, na real era um minúsculo comércio de vinis – não havia cd naquela época – especializado em jazz.
Fui indo de prateleira em prateleira até me deparar com um sub-gênero que nunca tinha ouvido falar: manouche.
Puxei um elepê e vi na capa um guitarrista de nome estranho solando o braço de um violão com apenas dois dedos. Começava ali, naquela pequena birosca da City, a minha obsessão pelo jazz cigano capitaneado por Django Reinhardt.
Pedi ao vendedor para escutar a obra. Na segunda faixa já estava convencido de que aquela seria a trilha sonora da minha existência e que ela passaria a me acompanhar pelo resto da vida.
Trouxe daquela esquemática viagem familiar todos os álbuns de Django que consegui enfiar na mala. E, durante anos, ouvi-os em casa, em cassetes no walkman ou no toca-fitas do carro.
Por muito tempo achei que era a única pessoa que conhecia gipsy jazz na Terra. O que me proporcionava um grande prazer pela exclusividade do fato.
Isso até assistir Poucas e Boas, de Woody Allen, em 1999.
A história se passa na Nova York dos anos 1930. Nela, Emmet Ray (Sean Penn) era considerado um excelente guitarrista de jazz, sendo superado apenas pelo lendário Django Reinhardt (Michael Sprague). Curiosamente, nas poucas vezes que Emmet viu Django, sempre desmaiava. Apesar de toda a sensibilidade para a música, Ray no início era um parasita, que por trás dos bastidores ganhava a vida como cafetão antes de obter fama.
E por aí vai a trama alleniana com seus conhecidos quiproquós à la Tchecov.
Não preciso dizer que ver o meu ídolo sendo dividido com o mundo me deprimiu. Como aquele narigudo neurótico podia ter o mesmo gosto musical que eu? Teria ele entrado na lojinha de vinis londrina antes de mim só pra arruinar minhas predileções?
Decidi guardar minhas bolachas de Django num armário chaveado e passei a ouvir apenas dixieland. Foi um verdadeiro festival de Jelly Roll Morton, Louis Armstrong, Sidney Bechet e Muggsy Spainer. Era uma forma de me vingar de Woody Allen: apropriar-me dos jazzistas que ele amava e usava na trilha sonora de seus filmes.
Não funcionou. Semanas depois já estava ouvindo, além de Django, o seu equivalente no violino Stéphane Grapelli.
De 99 para cá, minha mania pelo manouche só se avolumou. Muito porque os descendentes de Reinhardt cresceram em progressão geométrica. Pipocaram festivais de jazz cigano pelos quatro cantos e criativos grupos surgiram às mancheias.
Eu não duvido nada que Woody Allen coloque mais essa minha descoberta numa produção cinematográfica. Mas se o filme fosse rodado inteirinho em Piracicaba, dessa vez eu o perdoaria.
O romantismo não é uma criação maléfica do patriarcado, e sim manifestação sublime da nossa humanidade
Vivemos na era das problematizações. Cada aspecto da vida cotidiana é destrinchado para que se encontre uma relação política de dominação. Logo, o Dia dos Namorados vira o dia de desconstruir o romantismo e a monogamia.
O amor romântico seria um instrumento criado pelo patriarcado para manter as mulheres submissas. De tanto ouvir histórias de homens idealizados que as salvam da solidão ou do perigo, as mulheres introjetam esse papel passivo e acabam presas no casamento. Será? Ao decidir ficar com Romeu, Julieta foi contra sua família, que era inimiga da família de Romeu. Ou seja, Julieta se liberta do jugo familiar e se sente como um indivíduo único justamente porque vê apenas em Romeu o seu amor.
Essa relação entre romantismo e liberdade individual se espraia pela literatura e pelo cinema. Em ficções científicas que se passam em sociedades distópicas sob regimes totalitários, geralmente o personagem principal se liberta do poder estatal através do amor românico. Assim é em “1984“, em “Nós”, em “Admirável Mundo Novo” e no filme “THX-1138”. O romantismo nos torna sujeitos independentes de controles sociais.
O amor romântico não é uma criação maléfica de um ente abstrato (o patriarcado), e sim a construção de artistas que colocam nas páginas e nas telas as dores e alegrias humanas da vida real. Quando Mildred Loving (uma mulher negra) acionou a Suprema Corte dos EUA em 1967 para poder se casar com o homem branco que amava, foi submissa? E a paquistanesa Zeena Rafig, que foi assassinada pela própria família porque se casou escondido, também? Não, são exemplos de afirmações poderosas contra sistemas totalitários.
Quando somos livres para amar, é fácil dizer que o amor romântico é uma prisão. Dá-se por garantida essa manifestação de liberdade que foi duramente conquistada e que, justamente pela dificuldade, faz parte do acervo cultural da humanidade. Então, enamorados do mundo, uni-vos! Vocês não têm nada a perder, a não ser os seus grilhões.
“Como remédio verdadeiro para o testemunho de tantos golpes, consumados ou não contra o país e a civilidade, o que interessa mesmo é o reaparecimento no outono desse casal de tiês, pouco depois do casal de saíras-sete-cores, nas vindas matinais. Da aroeira, podem me ver bem de perto, e, com toda a razão, não me dão a menor importância. O resto não é vida. É o Brasil atual.”
Com essas 67 palavras, Janio de Freitas arrematou sua coluna na Folha de S.Paulo no domingo 15 de maio. Calhou de no Rio de Janeiro ser um domingo mais melancólico do que os domingos, nublado e com chuva miúda. E as 67 palavras abriram um clarão que traz não só a lembrança do grande texto, pouco frequente nos jornais como um todo e em especial na analise política, como alerta para o privilégio, substantivo, de ser contemporâneo do jornalista que completa hoje, 9 de junho, noventa anos.
A longevidade não é trivial na profissão. Mais rara ainda quando acompanhada de energia argumentativa, posicionamentos inequívocos e nenhum interesse em contemporizar.Calejado por décadas de redação, bem poderia, como alguns outros, apenas administrar o muito que lhe é de direito. Mas não é assim que funciona Janio de Freitas.
O Jaguar sabia da nossa admiração por ele e organizou uma excursão à Zona Norte. Objetivo: conhecer o Aldir Blanc. Ele nos recebeu em sua casa na rua Garibaldi, Tijuca. Me lembro que uma das peças da casa era ocupada por uma mesa de sinuca profissional, o que me pareceu adequado, assim como a sua barba de profeta. Aldir era um lacônico notório e, como eu não sou de falar muito, o Jaguar tinha previsto que nosso encontro seria uma troca de silêncios. Não foi, conversamos. Fomos conversando no caminho da casa ao bar da dona Maria, na esquina, onde nos esperavam pastéis de bacalhau inesquecíveis e o compositor Moacyr Luz, parceiro do Aldir em muitas músicas, com seu violão. A noite acabou na Casa da Mãe Joana, que eu não sei se ainda existe, com show do Walter Alfaiate e canja do Aldir no tamborim, igualmente inesquecíveis. O grande letrista, grande cronista e grande cara também era bom no tamborim!
Aldir Blanc e João Bosco escreveram a música tema da reação à ditadura que, segundo o Bolsonaro, nunca existiu, e da campanha pelas eleições diretas e a redemocratização do País. O Bêbado e a Equilibrista fala da volta sonhada do exílio do irmão do Henfil e da dor das viúvas de vítimas da repressão, como a companheira do jornalista Vladimir Herzog, assassinado pelo regime militar. Quem hoje carrega faixas pedindo outra intervenção militar como a de 64 não sabe como foi, sabe mas não se importa ou sabe e aprova com entusiasmo.
O quase hino do Aldir e do João Bosco também falava da esperança que subsistia nos tempos negros, a “esperança equilibrista” que andava na corda bamba “de sombrinha” ameaçando cair. Quem poderia imaginar que, depois de tudo que passamos e padecemos, na certeza de que, acontecesse o que acontecesse, ditadura nunca mais, estaríamos de novo carregando uma sombrinha metafórica numa corda bamboleante, sem saber o que nos espera no próximo passo? Os generais de fatiota que hoje ocupam o governo nos asseguram que não vem golpe. Não vem porque já veio, e nem precisaram de tanques na rua. Entraram no poder pela porta principal, atendendo a convites.
Minha primeira crise de pânico foi no aeroporto de Paris. Parece um jeito meio arrogante de se começar um texto, mas eu estava com o desodorante bem vencido, apavorada porque nunca tinha viajado sozinha e o macaquinho pendurado na minha mochila me deprimia demais. Ele ia e voltava numa melancolia assustada que só olhos estatelados de borracha poderiam traduzir. Me toquei que todos nós morreríamos, que minha mãe morreria, que eu morreria, que o bebê cantor Jordy talvez já tivesse morrido porque nunca mais se falou dele, e comecei a passar realmente muito mal.
Li a indicação ‘sortie’ como “você tem sorte, você vai sair daqui”. É um trocadilho escroto pra se começar um texto, mas realmente achei que longe do aeroporto eu me sentiria melhor.
Aeroporto é um lugar horrível porque soma as cinco coisas mais terríveis do mundo: despedida, fila, ser humano, placa indicativa e esperança.
Nos minutos e meses seguintes minha vida foi uma sucessão de saídas que jamais resultavam em bem estar. Eu estava sempre prestes a correr de qualquer novo e idealizado esconderijo. Não existia mais aconchego sem vertigem nem quando eu chafurdava o nariz no meu travesseiro. O cheiro do sebo da minha cabeça, que sempre me deu uma sensação de estar seguro, era agora estranho.
Marquei um psiquiatra na alameda Itu. É mais fácil falar que é medo de avião. Avião voa, avião cai, avião é fechado, avião treme, avião tem cheiro de bafo de pum. Mas não é isso. É mais fácil falar que sou viciada em rotina, que viajar me tira da minha bolha, que ficar longe da minha casa me dá angustia, que é muito difícil pra uma pessoa com mania de higiene dormir em quarto de hotel (já pensou seriamente sobre as cortinas, o carpete e o controle remoto dos quartos de hotéis?) que meu medo de gritar nua pelas ruas aumenta consideravelmente longe dos meus amigos e parentes e hospitais conhecidos. Mas não é isso.
Minha crise de pânico mais idiota foi num supermercado. Eu perguntei onde é que ficava o melão. E me deu uma tristeza profunda fazer essa pergunta. Porque eu não gosto de melão, só compro porque é geladinho e tem a cara mais inofensiva do planeta. Melão nunca pode fazer mal. Se você tiver parindo a alma, vai conseguir engolir um quadradinho gelado de melão. Tinha o amarelo, o laranja e um mais caro numa redinha amarela. Algo sobre um cartão especial do supermercado foi perguntando e aquilo me deprimiu demais. Larguei o melão sufocado na redinha e todas as compras no carrinho. A menina do caixa gritou chamando por mim. Atravessei a rua correndo.
O elevador não demora mais do que contar até 12. Doze bem devagar. Respirando. Calma. Abri a porta de casa correndo. Sentei na privada. Não sabia se era choro ou grito ou morte ou vergonha que ia sair. Não ia sair nada, eu só queria ter a certeza que qualquer que fosse a coisa a sair, eu estava protegida no silêncio não crítico de um eco de esgoto. Me agachei no banho. Pequena, errada, tremendo, feia, possuída, incapaz. Nem melão no supermercado da frente eu conseguia mais. Queria limpar algo que não era sujeira então nem o banho tinha lógica.
Preciso acordar. Mas vai começar tudo de novo. Só mais dez minutos. Mas já são dez da manhã. Preciso acordar. Mas vai começar tudo de novo. Queria dizer que é o calor. Multidão. Gente esnobe. Gente sofrendo. Fritura. Frescura. Falta de assento. Falta de assunto. Trânsito, manobrista, fila, tudo caro, tudo demorado, tudo chato. Mas não é isso.
Estou tomando Efexor e Rivotril. Me sinto bem. Fico de olho na balança pra não passar de 53 kg. Se deixar eu chego fácil nos 58 e daí é ladeira abaixo rolando. Tenho prazer em comer. Eu que pedia sempre meia salada e ficava quebrando palitos de dente ou rasgando guardanapos em fileiras até que o tormento de comer com outro ser humano acabasse…agora tenho fome.
Alguém me conta algo muito forte e difícil e angustiante e eu aguento. Agora eu tenho uma camisinha no meu cérebro e estou imune ao vírus da dor inexplicável.
A pessoa tá se separando ou descobriu um tumor, mas eu tô de olho é no bife à parmegiana do cardápio. Eu tô é pensando no chocolate Lolo que voltou. Tenho uma camisinha no meu cérebro e isso é dar férias para o meu cérebro depois de 34 anos de bate estaca. É estar pela primeira vez num resort com mucamas pra me abanar a cada microgota de suposição.
Obrigada estupidez porque eu tenho fome e sono e sou feliz.
Já estou há um tempo conseguindo supermercado, restaurante, aeroporto, festa, controle remoto de hotel e amor. Tenho dificuldades pra sentir orgasmo mas o Jordy está vivo e tem 25 anos.
Enquanto o governador passeia na Europa e o governo reabre o Canal da Música, a maior e mais importante praça da Cultura paranaense agoniza. Numa audiência na Assembleia Legislativa, a ex-diretora do Centro Cultural Teatro Guaíra, Monica Rischbieter, afirmou que o Guairão “está fadado a acabar” (confira no link do Plural).
Não há na curta biografia(?) de Ratinho Jr registros de real apreço pelo teatro, cinema, dança… Quase sempre, aparecem eventos religiosos, shows sertanejos, pescaria e rallye como atrações do gosto do governador, e é um direito dele gostar do que quiser.
Na audiência com os deputados, ninguém da área cultural compareceu, nem mesmo a superintendente de Cultura, Luciana Casagrande Pereira, ou o secretário de Comunicação e Cultura, João Evaristo Debiasi.
Mais que o grandioso e histórico palco na Praça Santos Andrade, o Guairão é um complexo de espaços e de ações culturais de reconhecida qualidade nas apresentações, na produção de espetáculos e na formação de novos profissionais. Na avaliação de Rischbieter, esse patrimônio do Paraná e do Brasil vem sofrendo um desmonte com crônica falta de recursos no atual governo.
Reabrir o Canal da Música é uma boa notícia, quanto mais espaços para a Cultura, melhor. Mas é estranho que isso aconteça enquanto o Teatro Guaíra não recebe o necessário para que funcione bem.
Silenciosa também é postura da maioria dos políticos que parecem querer distância da chamada Cultura tradicional, aquela que é respeitada e aplaudida em Paris, Tóquio, Nova Iorque e, ainda, em Curitiba.
De novo, o governador e sua claque podem ter as preferências que quiserem, podem não gostar de textos e canções que preguem a igualdade e a diversidade, podem sentir prazer com um show de Gusttavo Lima ou do cover do ABBA… O que não é aceitável é que uma espécie de “leptospirose cultural” atinja a saudável História da Cultura do Paraná e condene ao desaparecimento a beleza que é o Guairão lotado, de pé, aplaudindo…
Peça de teatro provoca reflexão sobre a angústia na era dos humanoides e dos algoritmos
Na semana passada fiz minha estreia no teatro. A convite da MITsp (Mostra Internacional de Teatro de São Paulo) fiz a voz de um robô no espetáculo chamado “O Vale da Estranheza“. Não precisei subir no palco, nem nenhum outro ator precisou.
O palco era ocupado apenas por um humanoide articulado, cuidadosamente forjado para se parecer com o escritor alemão Thomas Melle, autor do texto. Durante 60 minutos o robô faz uma conferência sobre o estado atual da tecnologia, usando para isso a biografia de Alan Turing, inventor da computação moderna, e a história de vida do próprio Melle.
No meio da peça, o robô articulado tem ataques de pânico e síncopes nervosas, derivadas da condição maníaco-depressiva do seu autor. Além disso, faz uma reflexão poderosa sobre nosso fascínio com a tecnologia e como ela se tornou uma maçã envenenada (Alan Turing se matou comendo uma maçã mergulhada em cianeto). Precisei recriar tudo no português, experiência dolorosa.
A razão é que a peça do grupo Rimini Protokoll toca em pontos capazes de perturbar qualquer pessoa. Thomas Melle, por exemplo, projetou no robô toda sua condição mental de depressão-maníaca. No entanto, o robô que está no palco reproduz essa condição – essencialmente huamana – como parte de sua programação pré-determinada. Em toda sessão ele terá as mesmas reações.
O público da peça também se comporta dentro de um script. Ri das partes com humor, faz reflexões nas partes mais meditativas e aplaude quando a peça termina. Aplaude quem ou o que? Por fim, se aglomera ao final, com o robô já desligado, para tirar fotos dele, agora inanimado.
A forma como essa dualidade entre programação e aleatoriedade (ou sistema e organismo) é retratada na peça é incômoda. O robô zomba o tempo todo do público que se identifica com ele e com seus sofrimentos, mesmo quando ele expõe de forma explícita suas engrenagens e sua artificialidade.
Esse é o ponto mais poderoso da peça: a forma como ficamos facilmente fascinados com nossas próprias ferramentas. Como elas são capazes de capturar nossa atenção, até mesmo em uma peça de teatro interpretada por um robô. Ninguém saiu da peça criticando se o robô era “bom ou mau ator”, nem cogitou analisar se a “direção” dele estava correta.
Podem ter criticado a minha voz na recriação das suas falas, porque minha voz é humana e por isso criticável. Já a máquina paira acima. É poupada dessas análises mundanas. Ela apenas fascina e captura a atenção.
É aí que mora o perigo. Georges Bataille escreveu em 1950 que “a atenção é sempre um esforço, uma busca por resultado. Ela é uma forma de trabalho”. E mais: “A atenção não é jamais contemplação: ela nos captura no desenvolvimento de um indefinido, servidão sem fim”.
A tecnologia da informação hoje cumpre esse papel. Ela é um sorvedouro gigantesco da atenção individual. Seu objetivo é simples: capturar toda a atenção de cada indivíduo de forma permanente e incessante, sem deixar qualquer brecha ou respiro. Isso pode até servir como uma forma de anestesia, mascarando manias e depressões, mas o preço cobrado é muito elevado. É o preço descrito por Bataille.
Presidente convoca apoiadores para versão anabolizada de atos de 2021, às vésperas do 1º turno
Jair Bolsonaro começou a organizar uma versão anabolizada dos protestos de Sete de Setembro do ano passado. A ideia é reeditar a pauta golpista, reforçar ataques a ministros do STF e espalhar suspeitas falsas sobre as eleições —desta vez, a poucas semanas do primeiro turno.Os bolsonaristas descrevem os atos como um “movimento espontâneo”, mas o próprio presidente faz a convocação. Em entrevista ao SBT, ele avisou que as manifestações devem ocorrer nas capitais, em apoio “a um possível candidato que esteja disputando”. Acrescentou que um dos objetivos é mostrar que seus apoiadores “querem eleições limpas”.
Bolsonaro vê a data como um ato preparatório para a contestação do resultado das urnas, 26 dias depois. O presidente alega que a ida dos apoiadores às ruas será uma prova de que ele tem mais apoio que Lula, de que há gente suficiente desconfiada do processo de votação e de que essas pessoas não aceitam o que “dois ou três lá do TSE querem impor”.O plano, ao que tudo indica, é explorar os atos para criar a falsa impressão de que ele tem apoio e legitimidade para tentar melar a eleição.
O presidente quer agitar os seguidores com os mesmos artifícios que usou às vésperas do feriado de 2021. Nas últimas semanas, ele voltou a dizer que pretende descumprir decisões judiciais e citou as Forças Armadas como ferramentas para garantir o que ele chama de democracia.
Para abrir essa etapa, Bolsonaro teve que rasgar de vez o armistício fajuto que havia assinado com o Supremo no ano passado. Na mesma conversa com o SBT, o presidente acusou o ministro Alexandre de Moraes de descumprir um acerto que os dois teriam feito quando o presidente publicou a carta elaborada pelo ex-presidente Michel Temer. Jogo zerado para novos ataques.
Às vésperas das manifestações de 2021, Bolsonaro disse que precisava do Sete de Setembro para mostrar ao mundo “uma fotografia” que justificasse seus atos dali por diante. Todos já sabem o que Bolsonaro planeja para os dias seguintes em 2022.
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