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Bolsonarismo enterrou políticas de segurança pública no país
Incentivo à matança interdita debate e se torna retórica eleitoral dominante no Brasil
Jair Bolsonaro pegou carona na operação policial que terminou com 25 mortos no Rio. Nas redes, o presidente deu parabéns aos agentes, reclamou da imprensa e dedicou quatro palavras pálidas à inocente que morreu baleada na ação. Foi mais energia do que ele gastou em todo o mandato para desenvolver uma política de segurança para o país.
O capitão vendeu na última eleição a ideia de que teria uma solução mágica para a violência. Entregou um número de ilusionismo que tinha como pontos centrais a liberação de armas e o incentivo à matança. Além de não resolver o problema, o presidente enterrou o debate sobre segurança pública no Brasil.
Era impossível esperar algo diferente. Quando era deputado, Bolsonaro não aprovou nenhum projeto na área de segurança. Em busca de holofotes, usou seus mandatos a favor da barbárie. Em 2014, ele disse que “a única coisa boa do Maranhão é o presídio de Pedrinhas”, em referência à penitenciária que registrou uma onda de decapitações.
No governo, Bolsonaro recorreu a medidas pontuais, como a transferência de chefes de facções criminosas para presídios federais. Propostas mais audaciosas fracassaram. Foi o caso do projeto lançado em 2019 para combater a criminalidade violenta e que terminou a fase de testes sem sinais de que tenha atingido seus objetivos.
O presidente preferiu fazer propaganda de uma falsa relação entre a ampliação do acesso a armas de fogo e a redução da violência. Também tentou emplacar, sem sucesso, o excludente de ilicitude —que ele chamava na campanha de “carta branca para policial matar”.
Não é surpresa que essa plataforma tenha se tornado a retórica eleitoral dominante no país. Depois da operação na Vila Cruzeiro, o governador do Rio descreveu a ação como uma “demonstração de força”. No início do mês, o governador de São Paulo foi atrás de votos da direita e declarou que “bandido que levantar arma vai levar bala da polícia”. Os dois são candidatos à reeleição.
Quando os militares cumprem o dever
Às vésperas das eleições presidenciais, um grupelho político, liderado pelo então deputado federal Carlos Lacerda, tentou impedir a candidatura do mineiro Juscelino Kubitschek de Oliveira, sob a esfarrapada desculpa de que, com JK, o getulismo voltaria ao poder.
Barrada essa primeira tentativa de golpe, realizadas as eleições e eleito Juscelino, Lacerda e os cupinchas da então UDN (União Democrática Nacional) passaram a tratar do impedimento da posse de Kubitschek, agora sob a desculpa de que o eleito não alcançara a maioria absoluta dos votos – o que não era exigível na ocasião.
Como parte do plano, o vice de Getúlio, Café Filho, que assumira a presidência, alegou motivo de saúde e internou-se no Hospital dos Servidores, passando o cargo para o presidente da Câmara de Deputados, Carlos Luz, que fazia parte do esquema golpista.
Mas, para que o golpe se viabilizasse, era necessário afastar da chefia do então Ministério da Guerra (hoje, do Exército), o general Henrique Teixeira Lott, um intransigente legalista, e substituí-lo pelo general Fiúza de Castro, simpático à causa.
Carlos Luz convocou Lott ao Catete, então sede do governo, e notificou-o da mudança. Lott não contestou a decisão presidencial, obediente à hierarquia, pedindo apenas que a transmissão do cargo ocorresse no dia seguinte, após as 15 horas, para esvaziar as gavetas, retirando-se em seguida.
Só que, a essa altura, um grupo de parlamentares e alguns oficiais das Forças Armadas, inconformados com o ocorrido e convictos de que o afastamento de Lott tumultuaria o ambiente e criaria problema para a diplomação e posse de JK, reuniram-se no anexo do Hotel Copacabana Palace. Ali, decidiu-se que o deputado José Maria Alkmin, amigo íntimo de Juscelino, e mais alguns deputados fariam uma visita ao general Odílio Denys, comandante do Primeiro Exército, para expressar-lhe a sua preocupação.
Naquela mesma noite, Lott, que morava próximo a Denys, notou que a casa do vizinho ainda estava iluminada e ligou para ele para saber o que se passava. Como resposta, soube que o colega logo chegaria à sua casa. Lott foi inteirado dos fatos por Denys, que disse temer a grave violação da ordem constitucional.
Convencido da intenção antidemocrática, Lott, no dia seguinte, vestiu a farda e se encaminhou ao Ministério da Guerra. Reuniu-se com seus assessores, fez contato com os generais-comandantes dos demais Exércitos e comunicou ao general Fiúza que não haveria a transmissão do cargo de ministro.
Às 11 horas de 11 de novembro de 1955, a Câmara votou o impeachment de Carlos Luz e convocou o senador Nereu Ramos, presidente do Senado, para assumir a presidência da República. Dias depois, o impedimento de Café Filho também foi proclamado pelo Congresso Nacional.
Sob a influência de Carlos Lacerda, um grupo, do qual fazia parte o ex-presidente Carlos Luz, embarcou no cruzador Tamandaré, que zarpou rumo a São Paulo, onde pretendia produzir um movimento contra os novos ocupantes do poder. Mas, quando o cruzador passava ao largo do Forte de Copacabana, foram disparados dois tiros de advertência, que barraram a viagem.
Em 31 de janeiro de 1956, Juscelino Kubitschek não só tomou posse na presidência da República, como anunciou, desde logo, o seu Programa de Metas, com trinta itens relativos ao desenvolvimento econômico, incluindo a construção da nova Capital Federal, Brasília, no cerrado goiano. Isso tudo graças ao contragolpe dado pelos generais Henrique Lott e Odílio Denys para assegurar a vontade das urnas, a voz do povo e proteger a democracia
Só para constar, JK foi um dos maiores estadistas que o Brasil já teve. Com o objetivo de fazer o país crescer 50 anos em 5, fez o brasileiro acreditar em si mesmo, desenvolveu a indústria automobilística e a naval, criou a Sudene e a Sudam, construiu Brasília, como construiu Furnas e o açude de Orós e rasgou a Rodovia Belém-Brasília e onze mil quilômetros de rodovias. Ao assumir o governo, a Petrobrás produzia 5 mil barris de petróleo por dia; deixou-a com 100 mil barris diários. E isso tudo com um otimismo contagiante e a mesma simplicidade de mineiro de Diamantina.
Quem quiser saber mais sobre o tema, deve ler “Luz e Trevas – Nos tempos de Juscelino” (Editora É Realizações, 2002), de Hermógenes Príncipe.
Como se vê, houve época em que o pessoal fardado cumpria rigorosamente o seu dever, defendia intransigentemente a democracia e, nos devidos termos constitucionais, punha-se a serviço do governo, da Nação e do povo, e não de governantes transitórios, arruaceiros e mal-intencionados.
Publicado em Célio Heitor Guimarães
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Publicado em Comédia da vida privada
Com a tag Nunca antes na história deste país...
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Mistureba à Paulo Guedes
Retratos 3×4 de Carlos Lacerda
Filho e sobrinho de militantes comunistas, e militante comunista até ser expulso do partido, no início dos anos de 1940, Carlos Frederico Werneck de Lacerda teve escolhido pelo pai os prenomes em homenagem a Karl Marx e Frederic Engels. Foi, seguramente, um dos maiores oradores brasileiros, quer nos comícios do clandestino partido, quer nos comícios da UDN e nas tribunas da Câmara de Vereadores da cidade do Rio de Janeiro e na Câmara dos Deputados, representando o então Estado da Guanabara.
Leonel de Moura Brizola, depois de encerrar o seu mandato como governador do Rio Grande do Sul, onde foi, segundo a maioria dos historiadores, um dos melhores que exerceu o cargo, transferiu seu domicílio eleitoral para a Guanabara e candidatou-se nas eleições subsequentes ao cargo de deputado federal pela legenda a qual sempre pertenceu, o PTB. Brizola foi o candidato mais votado no pleito. Seus mais de 250.000 mil votos representavam, aproximadamente, 30% do eleitorado da Guanabara. Até hoje, nenhum deputado federal o ultrapassou em percentual de votos na história eleitoral brasileira. Em segundo lugar, foi eleito Carlos Lacerda, com pouco mais de 5% dos votos.
Nas mesmas eleições, concorrendo pelo PTB de São Paulo, elegeu-se Ivete Vargas, sobrinha paulista de Getúlio, na rabeira, aproveitando-se das sobras “do voto de legenda”. Muitos anos depois das histórias contadas adiante, Ivete, numa manobra de Golbery do Couto e Silva e com a anuência de TSE, tomou na mão grande a sigla PTB para si. A Brizola restou fundar o PDT.
No dia da posse dos novos deputados, os mesmos eram chamados à mesa, um a um, em ordem alfabética, para o juramento da defesa da Constituição. Quando a chamada chegou na letra “C”, Brizola se aproximou de um dos microfones da lateral do Plenário da Câmara, ainda na cidade do Rio de Janeiro, e ficou esperando por Carlos Lacerda. Quando Lacerda se aproximou e jurou defender a Constituição, Brizola berrou no microfone: “Senhores e senhoras deputados e deputadas, povo brasileiro. Acabou de jurar defender a Constituição o deputado Carlos Lacerda. Dou a minha vida para provar que a partir de agora, segundos depois de jurar a Constituição, o deputado Carlos Lacerda vai dedicar sua existência a rasgar a mesma”. O Plenário e as galerias da Câmara aplaudiam (muito) e vaiavam (pouco). Lacerda saiu do Plenário sem oferecer resposta. A história mostrou que o vaticínio de Brizola estava correto.
No dia seguinte, começaram os trabalhos legislativos com o Grande Expediente, período pelo qual os deputados inscritos podem discursar sobre qualquer tema. Carlos Lacerda foi um dos primeiros a se inscrever. Seu discurso, para variar, lançava impropérios e ofensas a Getúlio Vargas (já morto). O Plenário se dividia, mais uma vez, entre vaias e aplausos. As galerias, lotadas, faziam o mesmo.
No meio do discurso de Lacerda, ocorreu o seguinte diálogo:
Deputada Ivete Vargas: O nobre deputado Carlos Lacerda me concede um aparte?
Deputado Carlos Lacerda: Concedo o aparte solicitado pela nobre deputada Ivete Vargas.
Deputada Ivete Vargas: Nobre deputado Carlos Lacerda, Vossa Excelência é um purgante.
Deputado Carlos Lacerda: Nobre deputada Ivete Vargas, Vossa Excelência é o resultado do purgante.
Deputada Ivete Vargas: Nobre deputado Carlos Lacerda, Vossa Excelência é um filho da puta.
Deputado Carlos Lacerda: Nobre deputada Ivete Vargas, Vossa Excelência não tem idade para ser minha mãe.
A Câmera e as galerias caem em gargalhada. O presidente da Câmara suspende a sessão por uma hora e ordena que os taquígrafos rasguem as notas do diálogo.
Publicado em Paulo Roberto Ferreira Motta
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É a falta de confiança, estúpido!
Como podemos confiar no Brasil se menos de 5% dos brasileiros acreditam uns nos outros?
Desde janeiro de 2022, quando li o relatório do BID (Banco Interamericano de Desenvolvimento) “Confiança: a chave para coesão social e crescimento na América Latina e Caribe”, estou estudando a importância da confiança em nossas vidas amorosas, profissionais, sociais e políticas.
O sociólogo Zygmunt Bauman me ensinou que para nos sentirmos felizes precisamos de dois requisitos: liberdade e segurança. Para ele, o ideal seria buscar um equilíbrio entre essas duas necessidades básicas, já que liberdade sem segurança seria o caos e segurança sem liberdade seria prisão. No entanto, a balança sempre acaba pendendo para um dos dois lados.
É o que observo nas minhas pesquisas. Os casais que apostam excessivamente na segurança até podem ter relacionamentos mais tranquilos e confortáveis, mas anseiam por liberdade. Já aqueles que apostam na liberdade, vivem mais conflitos e angústias, e desejam mais paz e harmonia.
Mas como me sentir livre e segura sem ter confiança nos outros?
Voltando aos dados do BID, entre os países pesquisados, os que apresentam o maior índice de confiança são os mais ricos e desenvolvidos, com menor índice de corrupção e melhor qualidade de vida. Os países da OCDE (Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico) apresentam uma média de 41% de confiança. A média global é de 25%. A América Latina tem uma média bem menor (12,06%): o Uruguai está em primeiro lugar (21,08%), seguido do México (18,37%), Chile (17,07%), Argentina (16,15%), Peru (10,8%), Nicarágua (9,12%). O Brasil está em último lugar no índice de confiança (4.69%), perdendo até mesmo da Venezuela (5,21%).
Ao pensar sobre a miséria de confiança dos brasileiros, lembrei de milhões de indivíduos que apoiaram o nazismo e o fascismo. Não é possível dizer que eles não sabiam o que estavam fazendo. Não só sabiam, como se identificavam, defendiam e confiavam nos psicopatas genocidas, como está acontecendo agora, no Brasil e em muitos outros países.
Violência, crueldade, injustiça, corrupção, desigualdade, preconceito estão cada vez mais presentes na sociedade brasileira. Parece que os brasileiros que escolherem confiar no ódio não só aumentaram numericamente como ganharam legitimidade para sair do esgoto e das trevas em que estavam escondidos. Hoje, em determinados setores da sociedade, quanto mais desumano, odiento e cruel se é, mais apoiadores fanáticos consegue-se conquistar.
Como confiar em alguém se só 4,69% dos brasileiros acreditam uns nos outros?
Palavras
O enfadonho não enfada, apenas. Sua enfadonhice tem algo de denso e irrecuperável
Nunca encontrei uma explicação satisfatória para a origem da palavra “sacanagem”. Como ela tem um som algo francês, e como os franceses têm uma palavra para tudo, especula-se que seja um galicismo adaptado. Viria de “sac a nager”, bolsas de ar que ajudavam os franceses arcaicos a boiar e que acabou adquirindo o significado de sacanagem como a conhecemos hoje. Talvez devido à prática de furar os sacos para afundar os franceses, que ficavam se debatendo na água e gritando “Mon sac a nager! Mon sac a nager!”, enquanto os ingleses, na margem, disfarçavam o riso.
Uma palavra ótima é “enfadonho” para descrever alguém. Tem o mesmo sentido de aborrecido, cansativo, chato, mas não é a mesma coisa. Não corresponde nem ao seu sentido literal, aquilo ou aquele que dá enfado. Pense nas pessoas enfadonhas que você conhece. Nenhum outro adjetivo salvo “enfadonhas” as descreveria, certo? O enfadonho não enfada, apenas. Sua enfadonhice tem algo de denso e irrecuperável. Deveria existir o verbo “enfadonhar”, como em “Não me enfadonhe!”. Porque, além de tudo, a enfadonhice é contagiosa.
Louco por futebol, eu acompanhava pelo rádio e pelos jornais (não existia TV na época, acredite) o futebol de Buenos Aires, a grande cidade mais próxima de Porto Alegre. Um dia, a turma da zona decidiu que nosso futebol de terreno baldio e calçada merecia um nome. A sugestão vencedora foi a minha: Racing. Não era o meu time em Buenos Aires – por alguma razão, torcia pelo River Plate –, mas o nome soava bem. Lembrava “raça”, nada mais argentino. Só muito depois me dei conta que “racing” era inglês, um dos tantos vestígios que os ingleses deixaram na língua e na alma dos argentinos. Mas, na época, nossa intenção era sermos argentinos.
Do valoroso “Racing” só ficaram estas lembranças – e um esboço de escudo, que eu mesmo fiz e encontrei, anos mais tarde, entre outros papéis guardados. Levei algum tempo para decifrar as letras no escudo: RFR. Por que RFR? E então me lembrei. Alguém tinha sugerido “Racing de Futebol e Regatas”. Ninguém se lembrou de perguntar onde e como praticaríamos regatas no nosso bairro, que não tinha nem um açude. Era influência do Rio, onde os times de futebol também eram de regatas. O nome completo foi aceito por aclamação. Porque pouco importava se não tínhamos como cumprir o que dizia o escudo. Ser “de regatas” nos dava uma dimensão especial. Além de argentinos imaginários, éramos também cariocas no nome. Não era preciso ter barco e remos ou sequer chegar perto do Guaíba para ser “de regata”. “Regata”, no caso, nem era uma palavra. Era um símbolo hierárquico.
Sinal de que não éramos pouca coisa.
*Crônica originalmente publicada em maio de 2015.
Publicado em Luis Fernando Verissimo
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Tribunal dos Povos julga Bolsonaro e seu governo por crimes contra a humanidade
“Pandemia e autoritarismo. A responsabilidade do governo Bolsonaro pelas sistemáticas violações dos direitos fundamentais da população brasileira cometidos pela políticas impostas na pandemia de covid-19” é o nome oficial do evento. O TPP recebeu uma solicitação de quatro entidades: Comissão Arns de Direitos Humanos, Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib), Coalizão Negra por Direitos e Internacional de Serviços Públicos (ISP), que apontam “aumento da hostilidade e da violência” contra grupos minoritários. O julgamento terá transmissão pelo canal da Comissão Arns no YouTube, pelos canais da Coalizão Negra, da Apib e da ISP (o sindicato global PSI, na sigla em inglês.
Agravamento da pandemia
“(As entidades) Sustentam que o presidente da República do Brasil, Jair Messias Bolsonaro, e seu governo contribuíram intencionalmente para o agravamento da pandemia no país, com seu discurso sobre medidas de proteção sanitária, com a recomendação de tratamentos ineficazes e com a demora e falta de transparência na aquisição de vacinas para os brasileiros”, relata o TPP. Assim, durante a audiência pública, o júri deverá verificar se houve violações e crimes contra a humanidade por por parte do presidente e seu governo, atingindo as populações negra e indígena, além dos trabalhadores no setor de saúde.
Publicado em Ultrajano
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